Quem acompanha a história recente da Venezuela acredita que o país vizinho chegou ao fundo do poço. Mas quem ouve os últimos discursos do presidente Nicolás Maduro percebe que a crise no país ainda pode piorar. A penúria que atinge os venezuelanos é tanta que a Assembleia Nacional, controlada pela oposição, decretou na última semana estado de emergência alimentar no país. A decisão, apresentada pelo líder do partido opositor Primero Justicia (PJ), Julio Borges, prevê também a aprovação de um projeto de lei que incremente a produção da iniciativa privada. Os deputados oposicionistas relacionam a falta de alimentos à ineficácia produtiva das empresas controladas pelo Estado e à falta de dólares para importação de matéria-prima. Ao mesmo tempo, parlamentares da situação negam que exista uma emergência alimentar e defendem a intervenção estatal nas Empresas Polar, o maior produtor de alimentos do país.
Segundo os dados apresentados pelo opositor Borges na sessão do parlamento, a produção dos principais alimentos no país caiu 87% no último ano e, por isso, pediu à Organização para Alimentação e Agricultura da ONU (FAO) que envie uma missão de especialistas ao país para avaliar os riscos à segurança alimentar da população.
A Venezuela, que possui uma das maiores reservas de petróleo e gás natural do planeta, está com sua economia desmoronando. O estado bolivariano afugenta não só investidores como também prestadores de serviço que precisam atuar no país. Até a empresa aérea brasileira Gol, que mantinha voos regulares para o país vizinho, jogou a toalha. Ela anunciou na última terça-feira que cancelou os voos para Caracas por encontrar problemas para repatriar suas receitas, ou seja, tudo o que a empresa fatura no país não consegue chegar à matriz, no Brasil. A empresa diz ter mais de R$ 433 milhões retidos na Venezuela, o que a levou a estudar a viabilidade de suas operações em Caracas.
Uma pesquisa da empresa Hinterfaces, divulgada na semana passada, revela que 68% dos venezuelanos afirmam que o país está no caminho errado e oito em cada dez cidadãos opinam que a solução para a crise requer uma aliança entre governo e o setor privado. Das 1.200 pessoas consultadas na última semana de janeiro, 86% afirmaram que o alto custo de vida está piorando, em contraste com os 12% que percebem melhoras. O preço do petróleo, que despencou nos últimos dez anos e hoje está em torno de 30 dólares o barril, praticamente torna o país inviável, uma vez que mesmo nos anos de receitas fartas não diversificou sua economia.
Há uma verdadeira guerra nos bastidores da política venezuelana e a última medida de impacto foi do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que aprovou o decreto de emergência econômica do presidente Nicolás Maduro, apesar de ter sido rejeitado pelo Parlamento, o que aprofunda ainda mais o choque de poderes e a incerteza sobre a saída da crise. O STJ -- acusado pela oposição de estar a serviço do chavismo -- deu carta branca ao presidente que anunciou que ativará medidas no setor em breve.
Tirando a gasolina, que é vendida a preço simbólico para a população, falta praticamente tudo na Venezuela. Os supermercados estão há tempos com as prateleiras vazias, de alimentos a produtos de higiene pessoal, enquanto que o mercado negro prospera. O país já é considerado o mais violento das Américas, com uma taxa de homicídios de 58,1 por 100 mil habitantes e, segundo o Fundo Monetário Internacional, a inflação na Venezuela deverá chegar a 720% em 2016, mais que o dobro da estimativa do fundo para o índice do ano passado. Além dos problemas econômicos e de má gestão, o país agora sofre também com fatores climáticos: a falta de chuva provocada pelo fenômeno El Niño. Com isso, o governo determinou o fechamento parcial de cerca de 100 shopping centers do país em dias úteis para racionar energia.
Os próximos embates entre situação e oposição já estão delineados. Apoiado pela ampla rejeição popular ao governo bolivariano, a coalizão oposicionista Mesa de Unidade Democrática (MUD), que controla o Parlamento, vai apostar todas as suas fichas no processo que pretende encurtar o mandato do presidente Nicolás Maduro. Uma tarefa difícil tendo em vista que o chavismo está arraigado no poder desde 1998 e controla, bem ou mal, praticamente toda a máquina do Estado.
Fonte: http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/676190/o-declinio-venezuelano
Por JUAN MONTES, da Cidade do México
O presidente mexicano Enrique Peña Nieto vai tentar nos próximos meses acabar com um tabu de quase oito décadas ao abrir a indústria estatal de petróleo a gás para investimentos privados e a concorrência, iniciativa que o governo espera que atraia bilhões de dólares em investimento.
O governo quer permitir que petrolíferas do setor privado compartilhem os riscos que envolvem o desenvolvimento de reservas cada vez mais complexas, como reservas de petróleo em águas profundas. Segundo três altos integrantes de governo e líderes partidários, que pela primeira vez revelaram detalhes da reforma proposta, o objetivo é autorizar a produção por meio de acordos de participação nos lucros e joint ventures com a estatal Petróleos Mexicanos, a Pemex, que hoje detém o monopólio do setor.
A proposta, que envolveria emendas em vários artigos da Constituição do México, precisará do apoio de dois terços do Congresso. Mas as autoridades estão otimistas. Negociações formais provavelmente só vão começar após as eleições locais em 7 de julho, com a proposta sendo apresentada ao Congresso no início de agosto.
O plano prevê a abertura do setor para a exploração e produção em águas profundas, onde estima-se que esteja mais da metade das potenciais reservas de petróleo do México, e para o petróleo e gás encontrados nas formações rochosas de xisto. A exploração em terra e em águas rasas, que é menos custosa e cuja tecnologia a Pemex domina, permaneceria sob exclusividade da estatal, dizem as pessoas.
"Queremos uma reforma profunda que dê segurança jurídica às empresas, não outra medida parcial. Queremos deixar bem claro na Constituição como elas [empresas privadas] podem participar", disse um alto funcionário do Ministério de Energia.
A proposta pode ficar aquém do que algumas petrolíferas gostariam. As autoridades disseram, por exemplo, que as empresas podem não ser pagas recebendo o petróleo em si, mas, sim, em dinheiro com base na cotação no mercado. A restrição tem a meta de apaziguar os nacionalistas que se opõem a ideia de entregar petróleo mexicano a estrangeiros.
Mas as mudanças, se aprovadas, podem ser um grande avanço para um país que tem uma das leis do setor de energia mais restritivas do mundo. Especialistas dizem que só a Coreia do Norte te um mercado mais fechado.
"Esse é o tipo de mudança no setor de petróleo com a qual cada governo do México sonhou, mas não foi capaz de promover, ao longo dos últimos 20 anos", diz Carlos Elizondo, analista político da faculdade e instituto de pesquisa mexicano Cide.
Para o México, a reforma pode ser a última chance de captar os bilhões de dólares necessários para desenvolver as reservas de águas profundas e evitar que o país se torne um importador líquido de petróleo, algo que a Pemex alertou que poderia acontecer já em 2020 se nada for feito. Para as empresas estrangeiras, ela pode significar acesso a um grande produtor, com reservas provadas de 13,9 bilhões de barris equivalentes de petróleo e, possivelmente, a quarta maior reserva de gás de xisto do mundo, de acordo com a Agência de Informação de Energia dos EUA.
A iniciativa destaca o desejo de romper com o passado entre os jovens membros do Partido Revolucionário Institucional, o PRI, que nacionalizou o petróleo e comandou o México por grande parte do século passado. Ele retornou ao poder em dezembro, após 12 anos na oposição.
O México tem se agarrado a uma lei que proíbe qualquer tipo de concessão que permita que grandes empresas do setor petrolífero reivindiquem reservas como suas e compartilhem os riscos e as recompensas de toda grande descoberta — apesar de países produtores como Noruega, Brasil, China e Rússia terem desenvolvido algum tipo de regra de compartilhamento de riscos.
O plano prevê contratos de 25 anos e permite que empresas privadas registrem reservas de petróleo, o que lhes facilita o acesso a financiamentos nos mercados globais, dizem pessoas a par do projeto.
O governo considera a criação de uma agência nacional de petróleo, um tipo de fundo soberano que faria a gestão das receitas do setor. No caso do petróleo e gás produzidos por empresas privadas, a agência pagaria a essas companhias os custos de produção e os lucros seriam compartilhados com o Estado, dizem essas pessoas. Quanto o governo lucraria ainda não foi definido, mas uma alta autoridade diz ser em torno de 70%.
Peña Nieto precisará de um plano pró-mercado agressivo para garantir o apoio do Partido da Ação Nacional, o PAN, defensor da abertura do setor.
"Não aceitaremos menos que isso nas negociações. E o governo sabe disso", disse um importante integrante do PAN.
Mas a oposição mais radical provavelmente virá do carismático líder esquerdista Andrés Manuel López Obrador, que na disputa presidencial com Peña Nieto no ano passado ficou em segundo lugar e está convocando protestos em massa contra o que ele vê como a privatização o petróleo mexicano.