Autor(es): Por André Borges | De Brasília
Valor Econômico - 09/04/2013
A decisão do governo de incluir projetos de usinas alimentadas a carvão mineral no próximo leilão de energia levou os empresários do setor a revisar detalhes de seus projetos. O redesenho cirúrgico de cada proposta tem a missão de garantir o sucesso no leilão das questionadas usinas térmicas, empreendimentos que estão na gaveta há quase quatro anos, por conta da fatura pesada que impõem ao meio ambiente.
O chamado "leilão A-5", em que o governo contratará parte da geração de energia que irá abastecer o país daqui a cinco anos, está previsto para acontecer entre setembro e novembro. Os investidores do carvão já fizeram suas contas. A previsão é de que cerca de R$ 10 bilhões em negócios sejam gerados a partir da construção de três usinas térmicas. Apesar de serem crucificadas pela alta geração de gás carbônico (CO2) que lançam no ar, essas térmicas já cumpriram todo o ritual do licenciamento ambiental e hoje têm autorização para entrarem em operação. Elas não foram construídas até hoje, porém, porque o governo não realiza nenhum leilão para térmicas de carvão desde 2008. Essa postura está prestes a mudar.
Há 1,7 mil megawatts (MW) de geração baseada em carvão apta a entrar no leilão deste ano, segundo a Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM). A perspectiva de investimento é de R$ 6 mil por cada kilowatt que será gerado, um negócio bilionário acompanhado com lupa pelo empresário Eike Batista. O dono da MPX Energia, empresa controlada pelo grupo EBX, tem dois projetos no Rio Grande do Sul prontos para entrar no leilão. A geração a partir do município gaúcho de Candiota prevê um total de 1.327 MW de energia. Segundo a MPX, "a inclusão de carvão mineral nos leilões de energia é bastante positiva" e a empresa "estuda sua participação no leilão". Sobre os impactos ao meio ambiente, a MPX sustenta que seus projetos usam "tecnologias modernas de controle ambiental, possibilitando uma maior redução dos níveis de emissões de gases na atmosfera, além do que exige a legislação brasileira".
Eike não está sozinho. Os empresários da Usina Termelétrica Sul Catarinense (Usitesc), projeto com capacidade de 440 MW, também querem entrar na disputa. Kaioá Gomes, diretor-geral da empresa, diz que o empreendimento avaliado em R$ 1,6 bilhão pode gerar cerca de 5 mil empregos, entre diretos e indiretos. "Realmente estamos com uma expectativa muito grande com esse leilão. É um momento primordial do setor", comenta.
Independente de controvérsias ambientais, a questão que se coloca sobre a atitude de abrir espaço para essas usinas em leilão - decisão lastreada na necessária busca de segurança energética do país - é o prazo necessário para que as térmicas fiquem prontas e entrem, efetivamente, em operação. O problema de geração é atual e foi evidenciado pela escassez de chuvas e as limitações dos reservatórios das hidrelétricas. A solução desse problema, no entanto, não é imediata. O Brasil ficou quase quatro anos sem contratar projetos de térmicas a carvão. Isso custou o esfacelamento da indústria nacional do setor. Hoje, 70% dos componentes usados para erguer uma térmica a carvão têm que vir de fora do país, segundo cálculos da ABCM. Além disso, não se constrói uma usina dessas do dia para a noite. São pelo menos três a quatro anos de trabalho. "Não tem como ser diferente. Isso é resultado de uma decisão política, que não incentivou a produção nacional", diz Luiz Fernando Zancan, presidente da ABCM.
A ampliação da geração de energia no Brasil se baseia em leilões feitos para contratar a chamada "energia nova". Nesses leilões, o governo garante a compra da energia futura de empreendimentos e, assim, dá segurança aos investidores para que toquem seus projetos adiante. Isso explica porque as térmicas a carvão têm sinal verde para serem construídas, mas não saiam do papel porque não tinham segurança sobre a venda dessa geração. Hoje, a capacidade instalada das usinas térmicas a carvão do país é de 3.205 MW, geração que tem sido utilizada a plena carga. Na matriz energética, isso equivale a apenas 2,5% da geração nacional. Se fossem mantidas as projeções do governo feitas até o ano passado, essa média cairia para 1,8% de participação, dado o crescimento projetado de outras outro.
O cenário, no entanto, tende a mudar, caso as usinas térmicas realmente tenham sucesso no leilão do segundo semestre. Pesa a favor desses projetos o fato de que, até agora, não há previsão de que grandes projetos de hidrelétricas entrem na disputa, o que poderia fazer despencar o preço a ser contratado pelo governo. Os empresários preveem uma disputa forte com pequenas centrais hidrelétricas - as chamadas PCHs, que geram até 30 MW -, além de usinas de biomassa e gás. Quanto às eólicas, discute-se a possibilidade dessas terem um leilão exclusivo.
Na semana passada, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, falou publicamente sobre o plano do governo em realizar o leilão com as térmicas no segundo semestre. Procurado pelo Valor, não quis comentar o assunto. A Empresa de Pesquisa Energética também não se pronunciou. Ontem, a cúpula da área de energia do governo convocou a imprensa em Brasília para dizer que o país não corre risco de racionamento nos próximos anos. Hoje, 68,9% da geração total do país (121,8 mil MW) está baseada em hidrelétricas. Até 2021, projeta-se que essa participação caia para 65,1%.