Por Cid Tomanik Pompeu Filho
(*)
Sem dúvida, este é o melhor
momento para o mercado de gás natural brasileiro. Mesmo não tendo a menor ideia
do que irá acontecer, os consumidores industriais vivem essa onda de esperança
como sendo a tábua salvadora de seus custos operacionais.
Durante mais de duas
décadas, muitas indústrias brasileiras veem consumindo o produto gás natural em
suas unidades, em seus processos industriais.
De acordo com as atuais
regras do mercado, o consumidor industrial depende exclusivamente de uma
empresa estatal ou concessionária estadual para ter esse insumo, salvo algumas
exceções.
As distribuidoras de gás
canalizado (empresa estatal ou concessionária) que exploram serviços públicos
de distribuição local de gás canalizado agregaram a esses serviços a atividade
econômica de comercialização do produto gás natural. Essa venda casada (serviço
+ produto) praticada por distribuidoras é um resquício político do século XX,
que se perpetua até hoje.
O mercado de gás natural
brasileiro é constituído por privilégios estaduais nas atividades de:
transporte, importação, exportação, tratamento, processamento, estocagem,
liquefação, regaseificação, comercialização e distribuição.
Os privilégios existentes
aos poucos estão sendo passados
para o setor privado, como ocorreu anteriormente com o setor de energia
elétrica, em 2004.
A transição para o
mercado livre é muito complexa e preocupante, principalmente em momento de
baixo crescimento industrial, dólar alto, eleição boliviana, etc.
Nesse momento, os
governantes devem escutar o segmento que sustenta e sustentará toda a cadeia do
gás natural, ou seja, os consumidores industriais.
O que interessa para o
consumidor industrial é o preço do combustível e não a sua origem (Bacia de
Campos, Pré-sal, GNL, boliviano ou argentino).
Focando, então, no preço, o
que os governantes necessitam fazer? Necessitam políticas para fomentar o
mercado industrial brasileiro, reduzindo o preço do gás natural.
O preço do gás natural
brasileiro sempre foi acima do importado. Em 2016, gás nacional produzido nas
Bacias de Campos e de Santos estava 30,8% acima do valor cobrado pelo gás
boliviano.
Para baratear o preço do gás
natural ao consumidor, somente com a entrada de vários supridores no mercado.
No entanto, a segurança no
suprimento do gás natural faz o empresário perder o sono. Nesse sentido, o supridor de última instância
seria essencial para a garantia do mercado.
O leilão do gás boliviano
pela Petrobras é, sem dúvida, uma grande iniciativa para a liberação do
mercado, com a segurança de fornecimento nesse período de transição.
A Agência Nacional do
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), dentro de sua competência,
instituída pela Lei nº 9.478/1997,
deveria promover “... a regulação,
a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da
indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe (...)
implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo, gás
natural e biocombustíveis, contida na política energética nacional, nos termos
do Capítulo I desta Lei, com ênfase na garantia do suprimento de derivados de
petróleo, gás natural e seus derivados, e de biocombustíveis, em todo o
território nacional, e na proteção dos interesses dos consumidores quanto a
preço, qualidade e oferta dos produtos; (...).”. (grifo nosso)
Assim, por se tratar de
consumo de gás natural, a ANP deveria regulamentar a comercialização desse
produto no mercado cativo e livre. Como também deveria estabelecer a pressão de
operação dos gasodutos de distribuição, transporte e transferência.
Os Senhores Membros do
Congresso Nacional deveriam ter o cuidado para não criar textos normativos
inovadores demais ou que existem exclusivamente no país (vulgo: leis “jabuticabas”).
Na questão legislativa do
setor de gás natural, não se pode “reinventar a roda”, visto que existem muitos
países no mundo que têm legislações avançadas. Há necessidade, isto sim, de
tirar os “bodes da sala”, ou seja, de amenizar os efeitos monopolizantes e
burocráticos da nossa legislação do setor de gás natural, uma vez que estes
estão repletos de preceitos que barram o livre mercado e a competição do setor.
O mercado necessita de
legislação federal que não estabeleça entraves e monopólios. E, ainda, que: a)
regule a atividade de comercialização de gás natural para o mercado cativo
pelas concessionárias ou empresas estaduais de serviços locais de distribuição de
gás canalizado, equivalente ao ocorrido na estruturação do setor de energia
elétrico; b) regule os serviços locais
de gás canalizado em todo o território nacional, § 2º do Artigo 25 da
Constituição Federal, uniformizando e aglutinando todas as normas estaduais da
distribuição de gás canalizado, inclusive a estrutura da taxa de uso do sistema
de distribuição; c) criar definição legalmente para a expressão “gás
canalizado”; d) criar o operador nacional do sistema de gás natural e a câmara
de comercialização de gás natural, nos moldes do Operador Nacional do Sistema
Elétrico (ONS) e da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE); e) criar
regras para as trocas operacionais (swap) de gás dentro dos sistemas
estaduais de distribuição de gás canalizado e de transporte; e f) entre outros.
A migração para o mercado
livre tem muita semelhança com o ocorrido no setor elétrico, mas também tem
muita diferença, visto que as operações são radicalmente diferentes.
O consumidor que optar pelo
mercado livre de gás, deverá estar seguro dessa opção, visto que o retorno para
o mercado cativo poderá ser difícil e custoso.
(*) Cid Tomanik Pompeu Filho é
consultor em assuntos jurídicos e regulatórios nos segmentos de gás natural e
de distribuição de gás canalizado.