Principal combustível das usinas térmicas, gás natural tem
oferta limitada no Brasil por causa de desarranjos econômicos e estruturais
Publicado em 16/02/2015 | TALITA BOROS VOITCH
Com a geração de energia das termelétricas
operando em capacidade máxima desde o início da estiagem que atinge o Sudeste,
o consumo de gás natural cresceu 16,3% em 2014, puxado principalmente pelo
segmento das usinas. A oferta nacional de gás natural opera no limite e sua
ampliação esbarra na falta de planejamento e de competição na cadeia produtiva,
dominada majoritariamente pela Petrobras.
Baixa oferta, pouca visibilidade de longo prazo das reservas e
investimentos insuficientes na exploração do gás não-associado ao petróleo são
apontados como as principais barreiras para o desenvolvimento pleno do setor,
que é a principal alternativa para suprir as necessidades do sistema elétrico.
Enquanto nos Estados Unidos a
descoberta do gás de xisto levou o país a projetar a autossuficiência
energética para daqui a 20 anos, no Brasil a exploração onshore de gás recebe
pouco incentivo, apesar de haver demanda reprimida. O resultado acaba na
equação complicada de baixa oferta, preços altos e competividade cada vez mais
pressionada.
“Hoje basicamente a oferta de gás
no Brasil é offshore, associada ao petróleo. No ambiente onshore, não há
interesse das empresas em explorar gás, já que toda a cadeia produtiva é
dominada pela Petrobras, que por razões óbvias, prioriza o petróleo”, afirma
Edmar Almeida, professor do Grupo de Economia de Energia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Monopólio
A explicação é simples: apesar de
o monopólio da Petrobras ter sido quebrado há 15 anos, a hegemonia da estatal
persiste. Ela controla a cadeia de gás de ponta a ponta e, além de ser a maior
produtora, é dona dos gasodutos e sócia das distribuidoras de gás nos estados.
“Por isso se você acha gás, o custo de investir na infraestrutura, no
tratamento, no transporte para depois conseguir vender é muito alto. Então há
dificuldade para empresas independentes”, diz o pesquisador da UFRJ.
Baixo interesse
O reflexo disso é o baixo
interesse nos leilões de blocos de gás. No realizado em novembro de 2013, o
resultado foi decepcionante: dos 240 blocos ofertados apenas 72 foram
arrematados, sendo que 49 pela própria Petrobras.
Para Ieda Gomes Yell,
pesquisadora da FGV Energia, são necessários ajustes regulatórios e
investimentos em visibilidade de longo prazo sobre a oferta de gás. “Não sabemos
como vai ser a oferta de gás no Brasil no futuro, em que regiões ele vai chegar
e a que preço. O investimento envolve gastos elevados, com prazo de maturação
de 20 anos e sem visibilidade de longo prazo não é possível investir no setor”,
diz.
Matriz energética
As termelétricas são as
principais consumidoras de gás natural no mercado nacional. A participação do
combustível na matriz energética nacional saltou de 4,1% em 1999 para 11,5% em
2012, segundo dados do ministério de Minas e Energia.
Apesar de estarem funcionando
continuamente desde o início da estiagem, ainda são consideradas intermitentes
e fora da base energética.
“Hoje é inevitável que as
térmicas deixem de entrar na geração da base. A regulação precisa ser
melhorada”, afirma Ieda.
Fornecimento
Produção da Petrobras
frustra estimativas
Considerando a baixa concorrência, a produção de gás da
Petrobras tem frustrado expectativas pelo menos nos últimos dois anos. A
diferença entre as projeções de longo prazo feitas em cada plano de negócios e
o resultado concreto de oferta de gás foi de 18,6% no ano passado e de 11% em 2013
(veja mais no quadro acima).
Estimativa da consultoria NatGas Economics aponta que são
necessários US$ 22 bilhões em infraestrutura de transporte de gás até 2030 para
que a oferta prevista de gás do pré-sal seja transportada. Atualmente, a malha
de gasoduto nacional é de 9 mil quilômetros e tem capacidade de transportar
cerca de 100 milhões de metros cúbicos/dia de gás.
Do outro lado, os investimentos previstos pela estatal em
gás e energia são de US$ 10,1 bilhões, sendo que 50% dos recursos irão para o
tratamento e escoamento do gás natural produzido no pré-sal. Isso representa
apenas 5% do total de US$ 220,6 bilhões estimados para o quadriênio 2014-2018.
O que é Offshore e
onshore?
Há dois tipos de gás natural, o offshore associado ao
petróleo e o não-associado (onshore), ligado a outras fontes, como o xisto.
Ambos são utilizados na geração elétrica, por meio das termelétricas, e também
como combustível em indústrias, residências e veículos. No Brasil, os estados
do Sul consomem gás importado da Bolívia pelo Gasbol e os do Sudeste e Nordeste
consomem o insumo produzido no país.
Questionamento
judicial trava exploração de xisto no Paraná
Um imbróglio judicial envolvendo ambientalistas, o
Ministério Público Federal (MPF) e a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural
e Biocombustíveis (ANP) trava o andamento de concessões de 11 blocos de gás
natural convencional e não convencional (o gás de folhelho, popularmente
conhecido como gás de xisto) na Região Oeste do Paraná. Parado desde junho do
ano passado, o processo foi suspenso depois que a justiça entendeu que faltavam
estudos técnicos que confirmassem a viabilidade da técnica que seria utilizada
nos terrenos.
A técnica de fraturamento hidráulico (fracking) é usada nos
Estados Unidos para a extração de gás de xisto, o mesmo encontrado no Paraná, e
é questionada por altos riscos ambientais. O MPF, responsável pela ação
pública, argumenta que as áreas licitadas abrangem o Aquífero Guarani e terras
indígenas e quilombolas, o que foi negado pela ANP. Segundo o recurso da
agência, as áreas licitadas fazem um “recorte” nas regiões ocupadas.
O caso tramita na 1.ª Vara Federal de Cascavel. O leilão
atinge mais de 100 municípios paranaenses da Região Oeste. De acordo com a ANP,
a decisão prejudica investimentos de R$ 195 milhões na exploração das áreas.
Fonte: Gazeta
do Povo