Gás de folhelho fez dos EUA exportadores do recurso, e hidrato de metano é promessa para o futuro
fernando.correa@zerohora.com.br
O preço do petróleo sobe, as energias renováveis se impõem, mas o mundo continua em busca de novas jazidas do velho combustível fóssil, responsável por 80% da matriz energética mundial. Com as reservas tradicionais próximas do vermelho, governos e instituições de pesquisa ao redor do globo investem no estudo de fontes não convencionais de gás e petróleo que garantam energia para a longa transição a um mundo finalmente baseado em energia renovável.
– Se acredita que tenhamos algumas décadas de combustível fóssil, cada vez mais raro, cada vez mais caro – afirma João Marcelo Ketzer, coordenador do Centro de Excelência e Inovação sobre Petróleo, Recursos Minerais e Armazenamento de Carbono (Cepac) da PUCRS, um dos principais centros de estudo de reservatórios não convencionais no país (leia clicando aqui). – A transição de um mundo baseado em combustíveis fósseis para um mundo baseado em outra fonte demora – sintetiza.
Enquanto isso, países se esforçam em explorar fontes não convencionais. Em março, o Japão se tornou o primeiro país a extrair gás do chamado "gelo de fogo". Os hidratos de metano parecem gelo. Encontrados em profundidades superiores a 500 metros e temperaturas de 4°C ou menos, são compostos de moléculas de água em estrutura sólida que aprisionam moléculas de gás natural. Extrair o gás desses reservatórios, frequentes em margens continentais, tem se revelado um desafio que só é compensado por um dado ainda mais instigante: é provável que haja mais gás natural em hidratos do que em todas as demais fontes fósseis.
Outra fonte não convencional, o gás de folhelho tem levado os Estados Unidos de importadores a exportadores de gás. Para extrair o tesouro gasoso que fica retido na rocha sedimentar argilosa – o folhelho, ou shale, em inglês –, os americanos fraturam a rocha em diferentes pontos (veja o gráfico abaixo).
Em outubro, a Agência Nacional do Petróleo deve leiloar a exploração do recurso no Brasil, onde se sabe de sua existência em diversos Estados, incluindo o Rio Grande do Sul. O sucesso em explorar o gás de folhelho reduziria o preço do gás no país, a exemplo do que tem acontecido nos EUA.
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FÓSSEIS DA TRANSIÇÃO
– Más notícias para o clima – sentenciou o professor de Economia Energética do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) Christopher Knittel, avaliando como a abundância de gás deve levar à queda no preço, também, de carvão e petróleo, muito mais poluentes.
Então, por que continuamos a investir tempo e dinheiro pesquisando essas fontes não convencionais? O próprio Knittel dá a resposta: usar o gás natural como substituto mais limpo dos outros combustíveis fósseis pode representar um grande alívio para o efeito estufa.
– O gás é uma fonte majoritária na geração de energia elétrica, mas nos próximos cinco anos vai emergir como um combustível significativo para o transporte, graças à oferta abundante e às preocupações com a dependência do petróleo e a poluição do ar – projetou a diretora executiva da Agência Internacional de Energia, Maria van der Hoeven, durante a apresentação do Relatório de Médio Prazo do Mercado de Gás, em junho, em São Petersburgo. – O gás natural tem potencial significante como energia limpa em transporte pesado, em que a eletrificação não é possível.
Quer dizer: necessitamos de combustíveis fósseis se quisermos nos livrar deles a longo prazo.
Ainda assim, foi principalmente o interesse econômico o que moveu a pesquisa de shale gas nos EUA, e a corrida pela autossuficiência energética de países como Japão e Índia, que têm se apressado na exploração do hidrato. Os nipônicos projetam para 2016 a extração comercial, e os indianos anseiam por acessar seu estimado 1,9 trilhão de metros cúbicos de gás congelado assim que possível.
GÁS BOM, GÁS MAU
A pressa vai na contramão da preocupação ambiental. A técnica de perfuração e fraturamento empregada pelos EUA para extrair gás de folhelho, injetando uma mistura de água, areia e produtos químicos em alta pressão, incomoda ambientalistas. Eles temem a contaminação de lençóis freáticos pelo vazamento do gás e questionam o tratamento da água utilizada para fraturar da rocha, um mercado estimado em até US$ 100 bilhões, segundo a ONG WaterWorld.
Para Christopher Knittel, o gás de folhelho e o hidrato de metano colocam o mundo em uma encruzilhada:
– Cabe aos decisores políticos adotar uma regulamentação que nos oriente para o resultado animador, e nos afaste do desastre.
Em dezembro de 2012, a revista National Geographic publicou uma reportagem em que resume os desafios da exploração de gases não convencionais. Sob o título "Gás Bom, Gás Mau", o texto foi categórico: "Queime gás natural e ele aquece a sua casa. Mas deixe-o escapar e ele aquece todo o planeta". O mesmo hidrato visto como fonte de combustível do futuro é agente do ciclo de aquecimento global: se a temperatura passa dos 4°C, a gaiola de gelo se rompe e o metano, 23 vezes mais danoso ao efeito estufa do que o CO², é liberado rumo à atmosfera.
Os EUA têm afirmado que a extração de gás de folhelho pode ser realizada com relativa segurança. Porém, no caso do gelado hidrato de metano, o buraco é, literalmente, mais em baixo. Segundo João Marcelo Ketzer, o desenvolvimento de tecnologias para explorar o recurso com o menor risco demora, principalmente, porque "é muito caro fazer pesquisa em grandes profundidades". E os riscos ambientais e dificuldades de produção andam de mãos dadas.
O Cepac estuda esses problemas e suas soluções para que o Brasil esteja devidamente amparado caso venha a explorar fontes não convencionais. Com uma planta-piloto avaliada em cerca de R$ 1 milhão (leia clicando aqui), cientistas do centro de pesquisa da PUCRS buscam compreender, em solo, a formação e meios de extração do gás do fundo do mar.
– O que se está estudando é uma tecnologia que não congele o gás no caminho. Uma forma é injetar vapor de água quente dentro do reservatório, que vai derreter o gelo. Mas a energia que estou gastando não pode ser maior do que a que eu vou recuperar, senão não faz sentido – avalia Ketzer.
Outra técnica experimental envolve injetar CO² atmosférico nos reservatórios, substituindo o metano nos hidratos, e extraindo o combustível ao mesmo tempo em que se presta um serviço de captura de carbono. No entanto, é tudo ainda muito incipiente.
– Até agora, mesmo os japoneses fizeram apenas pequenas extrações – salienta Ketzer.
Nas palavras do pesquisador, tem muito "comer de feijão" até que mesmo as nações mais carentes de combustíveis fósseis sejam capazes de desfrutar as benesses e enfrentar com segurança os desafios desse tesouro gélido e abundante. Mais ponderados que os japoneses, os americanos estimam que a exploração comercial será possível em 2025, com alguma sorte e vontade política. Enquanto isso, o Brasil prepara seu próprio terreno. E aí, vamos de gás?
fonte:http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/planeta-ciencia/noticia/2013/07/fontes-nao-convencionais-de-gas-natural-movimentam-pesquisas-e-despertam-o-interesse-de-paises-4200774.html