*Por
Luis Fernando Priolli
Dentre as medidas oriundas do Governo
Federal, que estão sendo avaliadas pelo Congresso Nacional, visando preparar o
país para o combate da pandemia do vírus denominado COVID 19, que já tanto s
transtornos causa a saúde pública nacional, merece especial atenção (i) a MP 950/2020,
que dispõe sobre medidas temporárias emergenciais destinadas ao setor elétrico
para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto
Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente da pandemia de coronavírus (covid-19) e
(ii) a MP 949/20, que abre credito extraordinário, em favor do Ministério de
Minas e Energia, no valor de R$ 90.000.000,00, para o fim que especifica;
visando não causar com o remédio uma problema de grandes proporções para a
economia popular.
O objetivo destas Medidas Provisórias foca
na proteção do usuário de baixa renda de energia elétrica, porém os valores
destinados à subsidiar tais usuários pode não ser suficiente frente os desafios
que se avizinham para as Distribuidoras de energia elétrica.
E, tais Medidas Provisórias precisam ser
bem analisadas, inclusive à luz das mudanças legislativas já introduzidas e em
vigor tal como admitir o inadimplemento, ainda que por determinado período, de
todos os usuários residenciais, sem a faculdade de suspensão do serviço, ou
seja, consentindo que as empresas arquem com tal prejuízo financeiro, que de
igual forma sofre os efeitos das consequências do COVID19, com a queda abrupta
do consumo de energia elétrica.
É mister ressaltar que tais serviços
carregam em si alta carga tributária, além de taxas e contribuições que são
direcionadas diretamente para os municípios, estados e a própria União federal,
onde as Distribuidoras atuam como mera “repassadora” de tais recursos.
Logo, qualquer pressão adicional no caixa
das Distribuidoras deve ser avaliado com cuidado para preservar a capacidade
das empresas continuarem a prestar os respectivos serviços de fornecimento de
energia elétrica para a sociedade.
Esta cautela se justifica até porque os
altos custos para prestação deste serviço essencial não será reduzido, logo tal
peso financeiro para as empresas será imensurável, a partir do aumento
significativo de unidades beneficiárias dos subsidios sociais da tarifa social
e o previsível aumento da inadimplência, podem colocar em risco severo a
própria continuidade da prestação do serviço, que neste momento está sendo
altamente demandado preservando assim a população de dissabores ainda maiores
daqueles oriundos do distanciamento social.
É importante destacar que as
concessionárias de serviços públicos essenciais não produzem, apenas repassam aos
seus usuários os respectivos produtos, ou seja, existe longa cadeia produtiva
suportadas por tais concessionárias.
Ao celebrar tais contratos de concessão a
União assumiu perante as concessionárias garantias legais e regulamentares que
permitem equilíbrio na equação fornecimento/pagamento, pois o contrário
acarretará descompasso financeiro no contrato de concessão permitindo, no
limite, até mesmo a devolução da concessão para a União Federal.
A Medida Provisória nº 950/20 tem grande
relevância e apelo social por conceder subsídios para reduzir em até 100% os
valores devidos pelos usuários residenciais de energia elétrica que se
enquadram na classificação de “baixa renda”, constituindo assim Programa do
Governo Federal de grande repercussão e alcance social, por ser destinado
justamente aos usuários mais vulneráveis e necessitados de assistência neste
momento da pandêmia de coronavírus (COVID19), que atravessa o pais.
Esta Medida Provisória é destinada ao
combate das consequências do estado de calamidade pública reconhecido pelo
Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde
pública de importância internacional classificada, pela Organização Mundial de
Saúde – OMS, como pandêmia, visando a proteção dos usuários residenciais de
energia elétrica classificados de “baixa renda”.
E, determina, no período de 01º de abril a
30 de junho de 2020, que o cálculo da Tarifa Social de Energia Elétrica, criada
pela Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, contemple subsídios de 100%, para
os usuários que se enquadrarem nas
respectivas regras de consumo, ou seja, inferior ou igual a 220 KWh/mês.
Acrescenta, ainda, que serão utilizados
recursos provenientes da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para
amortização destas medidas de enfrentamento aos impactos no setor elétrico
decorrentes do estado de calamidade pública, reconhecida na forma prevista no
art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 2000, para atender às distribuidoras de
energia elétrica.
A CDE é o fundo setorial que concede benefícios
a diversos grupos, como a tarifa social da baixa renda e o programa Luz Para Todos.
Fica, portanto, permitida a destinação
destes recurso da CDE, limitado a R$ 900.000.000,00 (novecentos milhões de
reais), para cobertura dos descontos tarifários criados, relativos à tarifa de
fornecimento de energia elétrica destes usuários integrantes da Subclasse
Residencial Baixa Renda.
E a MP 949/20, por sua vez, tem exatamente
o condão de abrir o valor extraordinário, previsto na Medida Provisória 950/20,
em favor do Ministério de Minas e Energia, ou seja, esta complementa, portanto,
aquela, viabilizando assim a liberação dos recursos para a finalidade a que se
destina.
O crédito extraordinário é medida
preventiva adequada, porém é preciso avaliar com cuidado se o valor adicional
destinado a CDE atenderá a demanda que se avizinha, visando assim não trazer
prejuízos às Distribuidoras de Energia Elétrica.
Analistas e instituições financeiras, nas
últimas oito semanas, fizeram revisões drásticas das respectivas projeções para
o PIB (Produto Interno Bruto) em 2020. Já houve retração da atividade econômica
de 2,1% no primeiro trimestre e pode chegar a patamares próximo de 6% no
segundo trimestre. Essa redução certamente pressionará bastante o caixa das
empresas de distribuição de energia, logo as MPs em tela precisam ser
analisadas levando em m consideração a preservação do caixa de tais
concessionárias.
Dentre as mudanças recentes que causarão
impacto foi a decisão de incluir como beneficiários das tarifas sociais todos
que estão incluídos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
(Cadastro Único), que identifica as famílias de baixa renda. Em dezembro de
2019, existiam quase 28,9 milhões de famílias no Cadastro Único, que
representavam mais de 76,4 milhões de pessoas
Ou seja, além do acréscimo substancial do
número de unidades consumidoras beneficiadas pela tarifa social, a MP 950/20
altera para 100% o subsidio para todos que consomem 220 KW/h e não mais
escalonada, como era a legislação anterior, alargando assim bastante o montante
de usuários abrangido com tal benefício social.
Antes da ocorrência da pandemia, e,
consequente adoção de tais mudanças legislativas, a conta de subsídios sociais para usuários de
baixa renda, segundo o ANEEL, para o ano de 2020, já era estimado em R$ 2,66
Bilhões de reais, sendo que em 2018 foi custeado R$ 2,44 Bilhões de reais e, em
2019 R$ 2,38 Bilhões de reais, ou seja, já havia, portanto, a expectativa dos
agentes do setor elétrico de aumento superior a 10% em comparação com o ano de
2019, referentes aos subsídios sociais destinados aos usuários de baixa renda.
Em um momento que...
(i)
há forte retração econômica, com visível diminuição da atividade
econômica, e consequente redução no consumo de energia elétrica em todo país,
(ii)
aumento significativo das
unidades beneficiadas com a tarifa social e, ainda,
(iii)
é subtraído das distribuidoras o direito a suspensão do
fornecimento de energia elétrica por inadimplência,
...é importante acompanhamento rigoroso da adequação, e eventual
majoração, dos valores destinados pelas MPs nºs 949 e 950 de 2020, para as
distribuidoras, para suportar tais subsídios sociais de 100% do valor da
tarifa, objetivando a proteção da parcela da população mais vulnerável da
sociedade, durante a pandêmia.
Tal cautela se justifica, pois pressionará
ainda mais o caixa das distribuidoras, visando, assim, preservar a saúde
financeira das distribuidoras, propiciando que toda a população tenha
preservado o regular e continuo fornecimento de energia elétrica.
Esse talvez fosse o momento de inclusive
avançar no debate acerca da cobrança dos encargos, tarifas e tributos
incidentes na conta de luz, pois vejamos:
Encargos
:
-Conta de Consumo de Combustíveis (CCC)
: Custeia o combustível usado por Usinas Termelétricas, na Região Norte do
país, para gerar energia nos sistemas isolados;
-Conta de Desenvolvimento Energético
(CDE): Direcionado para universalizar o acesso a energia;
-Taxa de Fiscalização de Serviços de
Energia Elétrica (TFSEE): Direcionado para manter a ANEEL;
-PROINFA: Incentivo para energias
renováveis (eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas);
-Reserva Global de Reversão (RGR):
Recursos para reversão das instalações utilizadas na geração e transporte de
energia em favor das concessionárias, e para financiar a expansão e
desenvolvimento do serviço de energia elétrica.
-Compensação Financeira pela Utilização
de Recursos Hídricos (CFURH) – compensação pelo uso da água e de terras
necessárias à usinas de geração de energia;
-Encargos de Serviços do Sistema (ESS):
Direcionado a segurança da energia no país;
-Operador Nacional do Sistema (ONS)
– Financia o funcionamento do Operador Nacional do Sistema Elétrico;
-Encargo de Energia de Reserva (EER):
Usado para custos decorrentes da contratação de energia de reserva;
-Pesquisa e Desenvolvimento e Eficácia
Energética : Direcionado para pesquisas e tecnologias para uso sustentável
da energia.
Tarifas:
-Tusd – Tarifa de Uso do Sistema de
Distribuição
-Tust – Tarifa de Uso do Sistema de
Transmissão
Tributos:
-PIS – Programa de Integração
Social;
-Cofins – Contribuição para
Financiamento da Seguridade Social;
-ICMS - Imposto sobre a Circulação
de Mercadorias e Serviços
-CIP – Custeio do Serviço de
Iluminação Pública
Em relação ao ICMS seria o momento de
impedir a incidência do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de
Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicação – ICMS no fornecimento de energia aos
consumidores de baixa renda beneficiários da tarifa social, de acordo com os
limites previstos na Lei nº 12.212, de 2010.
Ora, a tarifa social foi instituída
exatamente para dar e garantir acesso e uso da energia a milhares de
brasileiros, pois é um bem essencial à população e à economia, razão pela qual
não se justifica, a priori, o Governo
Federal conceder subsídio aos consumidores de baixa renda para que os governos
estaduais cobrem ICMS dos beneficiários da tarifa social de energia, em cima do
valor do subsídio suportado pela União Federal.
A incidência de ICMS na tarifa social de
energia em várias unidades da federação reduz a iniciativa para a melhoria das
condições de acesso à energia elétrica dos brasileiros mais vulneráveis.
Evidentemente, essa cobrança não se
coaduna com a essencialidade do fornecimento de energia elétrica aos usuários
de baixa renda, até porque a legislação setorial objetiva tratamento
diferenciado para os consumidores de baixa renda. A Lei nº 10.438, de 2002, por
exemplo, determina que esses consumidores sejam excluídos do rateio dos custos
de contratação de energia de empreendimentos enquadrados no Programa de
Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – Proinfa.
Ainda que se argumente que (i) a
Constituição Federal de 1988 vede à União instituir isenções de tributos da
competência dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios (art. 151,
inciso III) e que (ii) incentivos fiscais do ICMS devem ser concedidos mediante
deliberação dos estados e do Distrito Federal (Constituição Federal, art. 155,
XII, "g"), por intermédio do Conselho Nacional de Política Fazendária
– CONFAZ, poderia a MP 950, apenas acrescentar o usuário de baixa renda, assim
enquadrado pela Legislação,(ainda que apenas pelo período da pandemia, não
obstante ser algo que deveria ser permanente, por uma questão de justiça social
e modicidade tarifária), no artigo 155, X, “b”, da CF/88, que estabelece que o
ICMS não incidirá “sobre operações que destinem a outros estados petróleo,
inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e
energia elétrica.
Os Estados e o Distrito Federal, no
entanto, passaram a estabelecer a incidência do imposto também sobre a
denominada Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição – TUSD e sobre a Tarifa de
Uso do Sistema de Transmissão – TUST, que são exigidas em razão da remuneração
pela utilização da rede de distribuição de energia elétrica, bem como da rede
básica do sistema de transmissão, ou seja, em se tratando de usuários mais
vulneráveis da sociedade é licito concluir que esses entes da Federação estão
exorbitando da competência que lhes foi atribuída pela Constituição Federal
para cobrar o ICMS sobre operações com energia elétrica, ao determinarem também
a cobrança do imposto sobre as referidas tarifas sociais.
Para viabilizar a tarifa social, (i)
instituída pelo art. 5º da Lei nº 10.604, de 2002, a concessão de subvenção
econômica para contribuir para a modicidade tarifária dos usuários residenciais
de baixa renda e (ii) pelo Decreto nº 4.538, de 2002 que estabeleceu que a
subvenção seria custeada com recursos financeiros provenientes da Conta de
Desenvolvimento Energético (CDE), instituída pelo art. 13 da Lei n.º 10.438, de
2002.
O art. 13 da Lei Complementar nº 87, de
1996, disciplina que a energia elétrica é “mercadoria” para fins de incidência
do ICMS e a respectiva seletividade do foi prevista no inciso III do § 2º do
art. 155 da Constituição Federal, em função da sua essencialidade, o que
permite que o mesmo tratamento diferenciado dispensado pela MP 950/20, seja aplicado
em relação a cobrança do ICMS na tarifa social.
Em função da importância e necessidade de
um “produto” a Constituição determina a redução do ICMS, e conforme previsto na
Lei nº 12.212, de 2010, que dispõe sobre a Tarifa Social de Energia Elétrica, estabelece
que os usuários da classe Residencial Baixa Renda, tem direito à redução
cumulativa no cálculo da tarifa portanto em se tratando de usuários de energia
elétrica de baixa renda esta plenamente justificável que o ICMS não incida em
cima do valor subsidiado pela União federal.
A Tarifa Social é uma forma de dar acesso,
via redução de preços, aos benefícios da energia a milhares de brasileiros de
baixa renda. No entanto, a cobrança de ICMS nas faturas de energia elétrica
destes está jogando contra esse esforço.
E é importante ressaltar que esse ICMS é
suportado e repassado pelas Distribuidoras de energia elétrica aos Estados e
Distrito Federal, mesmo em caso de inadimplência, que deve aumentar
significativamente a pressão sobre o caixa das Distribuidoras, nesse momento
complicado do pais, em função da proibição de suspensão de fornecimento de
energia elétrica nos casos de inadimplência.
Se for constatado desequilíbrio financeiro
será necessário a adoção de aumento do valor previsto na MP 949/20 o governo
conceder algum tipo de ajuda financeira, como um crédito emergencial.
A distribuição é o elo da cadeia do setor
elétrico mais impactado pela crise, daí ser preciso que seja acompanhado a
saúde financeira das distribuidoras, visando resguardar o fornecimento para a
sociedade.
As Medidas Provisórias caminham na direção
correta e, portanto, devem ser prestigiadas, porém seria importante que as
casas legislativas avançassem no debate trazido por tais iniciativas visando
mecanismo de avaliação permanente da adequação deste valor e, quando for o
caso, majoração da quantia disponibilizada para suportar tal benefício social
em caso de tais custos superarem o acréscimo introduzido pela MP 949/20, bem
como a não incidência de qualquer imposto, contribuição ou tarifa incidente em
tais cobranças permitindo assim que a finalidade pretendida seja plenamente
alcançada.