O Mito
da Caverna de Platão do setor energético brasileiro
* Luis Fernando Priolli
Platão narra em sua obra
“A República”, diálogo entre Sócrates e Glauco, onde ele apresenta a teoria
sobre o conhecimento da verdade. Não se pretende aqui reproduzir tal texto na
integra, mas, em apertada síntese, se trata de um prisioneiro que estava preso
numa caverna, e somente via sombras projetadas. E, em função disso, acreditava
que o mundo seria aquelas sombras.
Porém, um dia ele é solto
e, aos poucos sua visão acostuma-se com a luz, e ele então começa, devagarinho,
a perceber a infinidade do mundo e da natureza que existe fora da caverna e da
natureza que existe fora da caverna.
Então, ele percebe que
aquelas sombras, que ele julgava ser a realidade, na verdade eram apenas cópias
imperfeitas de uma pequena parcela da realidade.
A adoção da primeira
alternativa teria como consequência possível o ataque que sofreria de seus
companheiros, que o julgariam como louco, mas poderia ser a atitude necessária,
por ser a coisa mais justa a ser feita.
O sistema elétrico
brasileiro está precisando justamente “sair da caverna”, ou seja, adotar a
dúvida socrática, o questionamento, a não aceitação das afirmações e atitudes
adotadas até hoje, sem antes analisá-las, e avalia-las de forma continua.
Questionar as soluções e conhecimentos que regiam e regem o setor elétrico
brasileiro até hoje sempre, visando otimiza-lo.
A facilidade introduzida
pela tecnologia franqueia o acesso a vasta quantidade de informações e todo
conhecimento que existe temos a nossa disposição, porém isso não
necessariamente incentiva o senso crítico e análise aprofundada dos assuntos.
O setor elétrico
brasileiro tem, nos últimos anos, recebido estímulos variados oriundos das
mudanças e avanços tecnológicos do setor e tem procurado acompanhar tais
mudanças.
Daí a necessidade de se
questionar certos dogmas adotados pelo Operador Nacional do Sistema – ONS, que
tem como objetivo:
“coordenação
e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia
elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN) e pelo planejamento da operação
dos sistemas isolados do país, sob a fiscalização e regulação da Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel)” (site da ONS).
O Brasil desenvolveu o
SIN que, desde a sua criação, tem a geração de energia quase que exclusivamente
utilizando usinas hidrelétricas, mesmo durante períodos hidrológicos adversos,
que chegou a representar a ter 95% de participação da matriz brasileira. Apesar
de ter reduzido, principalmente a partir dos anos 90, ainda hoje representa aproximadamente
65% de hidrelétricas e de 28% de termelétricas
Isso sempre fez sentido
para os agentes públicos e privados, sendo assim mantido, em função das
capacidades hidrológica e pluvial brasileiras, tendo em vista a fácil
regularização dos níveis dos reservatórios, mantendo-os de forma plenamente
operacionais, durante praticamente todo o ano, ou seja, armazena água durante o
período chuvoso e a utiliza inclusive no período seco para gerar energia. Essa
é uma das “sombras” que sempre se acreditou ser algo perene, com baixo risco e
custo e portanto, praticamente imune a mudanças radicais.
Porém por diversas razões
conjunturais, houve a necessidade de se expandir e adicionar novas fontes
produtoras ao Sistema Interligado Nacional (SIN), dentre elas a crise ocorrida
no Brasil,
que afetou significativamente o fornecimento e distribuição de energia elétrica, durante o período de 1 de julho
de 2001
e 19 de fevereiro de 2002, segundo mandato do
então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Essa crise energética
acarretou grandes transtornos à sociedade brasileira, em função dos baixos
níveis dos reservatórios, que foi felizmente minorada graças a uma campanha,
abraçada pela sociedade, de racionamento incentivado de energia, evitando assim
que houvessem grandes, frequentes e longos cortes de energia.
Não por acaso surgiu o
Decreto No. 3.371, de 24 de fevereiro de 2000, que instituía o Programa
Prioritário de Termeletricidade, e assim iniciou-se o desenvolvimento de
diversas usinas termelétricas como alternativa a dependência das hidrelétricas,
e mais recentemente usinas solares e eólicas também, diversificando ainda mais
a matriz brasileira.
A Matriz Brasileira,
desde então, mudou bastante pois, conforme ensina o Balanço Energético Nacional
– BEN, de 2018, publicado pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE, a matriz
elétrica que antes era suprida por mais de 95% de sua energia, através de
hidrelétricas, estava assim distribuída em 2017:
1) Hidráulica – 65,2%
2) Gás Natural – 10,5%
3) Biomassa – 8,2%
4) Solar e eólica – 6,9%
5) Carvão – 4,1%
6) Nuclear – 2.6%
7) Petróleo e Derivados – 2,5%
Recentemente os
reservatórios das hidrelétricas alcançaram quase os mesmos níveis que geraram a
crise de 2001, ou seja, o ciclo hidrológico e pluvial reduziram drasticamente, diminuindo
assim a capacidade de suprir o fornecimento de energia, de forma regular e
continuo para a sociedade brasileira, tendo sido necessário que fossem muito
despachadas as termelétricas, em especial aquelas que usam gás, óleo
combustível e carvão, e também térmicas complementares movidas a biomassa ou
resíduos, que são igualmente importantes para o aumento e manutenção da
eficiência energética do sistema e complementaridade sazonal, mas que, em
geral, são empreendimentos de pequeno porte.
E, aqui começa dilema do
ONS, ou seja, como identificar e definir o montante de energia elétrica a ser
gerado por cada usina?
Esta questão se agrava e
se torna mais complexo quando passa a ser uma escolha entre o uso de uma fonte
com custos de geração muito baixo e alta incerteza de produção futura
(hidrelétrica) e outra fonte com custo alto de geração, porém confiável
(termelétrica).
O ONS tem, preferencial e
majoritariamente, optado por manter na base do sistema elétrico a energia
gerada nas hidrelétricas, mantendo a geração térmica para agregar flexibilidade
na logística de suprimento e, nos momentos de ponta as térmicas objetivando
equacionar o atendimento à demanda energética ao menor custo possível,
respeitando critérios de segurança e confiabilidade.
No entanto, no caso de utilização
de geração hídrica em momento de baixo nível dos reservatórios, provavelmente
acarretará menor geração de energia e/ou acionamento de térmicas mais caras.
Todavia, reduzir a
utilização das hidrelétricas visando preservar e armazenar mais água nos
reservatórios no presente, pode acarretar, em caso de ocorrerem chuvas neste
período, levar ao vertimento de água, o que significa desperdiçar um recurso
barato.
A lógica operativa ótima
seria ter a disposição a disponibilidade da fonte térmica, porém evitar seu
acionamento, porém a realidade já há bastante tempo não é essa.
Cada usina térmica,
portanto, agrega diferentes atributos ao sistema, por exemplo:
(a) Usinas de Carvão ou Nuclear -
fornecimento mais constante (atendimento da demanda de base);
(b) Diesel e óleo combustível - atendimento à demanda de ponta, a sistemas
isolados ou ainda para equilibrar o sistema.
(c) Gás Natural – versatilidade (atendimento
à ponta ou operação constante durante o ano);
O ponto de equilíbrio da
flexibilidade (em menor ou maior grau) das usinas termelétricas depende do
nível de diversificação e de interdependência entre as fontes para garantir
segurança energética do sistema como um todo. A flexibidade pode levar, por
exemplo, em consideração o custo operativo evitado.
Após grave crise
econômica ocorrida no período de 2014-2016, que acarretou grande redução do
consumo de energia no Brasil, e assim a pressão sobre o sistema elétrico quanto
ao crescimento do parque energético do pais, agora, conforme dito pelo ministro
da Fazenda Paulo Guedes, o Brasil foi atingido por um “meteoro”, chamado
COVID19, vírus que se alastrou rapidamente pelo mundo todo, inclusive no Brasil,
jogando o país em nova recessão, em um momento em que se esboçava uma retomada
de crescimento.
Esse vírus, em poucas
semanas, gerou no Brasil redução da atividade econômica e, consequente, nova e
relevante queda do consumo de energia elétrica
Com isso o País ganhou
nova janela de tempo para preparar, de forma adequada, o seu parque energético,
no entanto, haverá previsível redução do apetite de investimentos estrangeiros
no Brasil, uma vez que todas as economias foram mais ou menos afetadas pelo
vírus, justificando assim que haja especial atenção aos gestores públicos de
quais soluções devem ser adotadas, sem se basear nos conhecimentos adquiridos
em crises anteriores pois a situação atual demandará soluções até então consideradas heterodoxas, dai a
importância de se jogar “bastante luz” aos fatos atuais.
É portanto o momento para
que os agentes públicos e privados do setor elétrico se juntem aos do setor
petróleo e gás, pois com a descoberta do petróleo e gás do Pré-Sal Brasileiro
será importante para maximizar tal riqueza brasileira, ainda mais porque o gás
brasileiro é basicamente associado ao petróleo, ainda que a energia predileta
brasileira seja a hidrelétrica por ser a mais barata.
A situação atual
demandará que se “saia da caverna” completamente e descubra “novas verdades”,
privilegiando soluções integradas de diferentes cadeias produtivas, setores
complementares, maximizando ambos.
As usinas termelétricas e
hidrelétricas tem vantagens e desvantagens que sempre são levadas em
consideração neste mix de diferentes energias que formam a matriz energética
brasileira, vejamos:
Termelétricas:
·
Colocação
em operação em curto lapso de tempo;
·
Necessita
de altos custos de operação já que consomem combustíveis
·
Os
custos de operação, entretanto, podem impor limites à sua utilização
·
Menor
impactos ambientais, dependendo do insumo das térmicas
·
Maior
emissão de gases de efeito estufa.
Hidrelétricas
·
Demanda
longo tempo para construção e operação;
·
Baixo
custo para operação
·
Questões
hidrológicas e pluviais podem impor limitações
·
Grande
impacto ambiental associados à construção e operação das usinas, em função das
barragens e armazenamento da água nos reservatórios
·
Baixa
emissão de gases de efeito estufa
As usinas hidrelétricas
estão, conforme dito, sujeitas à disponibilidade de recursos hídricos para
gerarem energia em plenitude. Em outras palavras, elas oferecem risco de
desabastecimento no caso de uma seca generalizada ao longo de todo o país.
Porém, ao contrário do
que pode parecer numa primeira análise, tanto as usinas termelétricas e
hidrelétricas podem e devem ser complementares e não competirem entre si.
A combinação de ambas,
inclusive, é salutar para o setor elétrico, pois aumentando as usinas
termelétricas propicia/viabiliza também a construção de hidrelétricas de menor
porte, viabilizando a sua construção sem a necessidade de grandes reservatórios,
que tanto impacto ambiental acarreta. Permitindo inclusive maior dispersão
locacional em todo território nacional.
Seria interessante, por
questões econômicas, sociais e ambientais que os agentes públicos e privados
avancem na discussão de se colocar a energia das térmicas também “na base”,
permitindo garantir fluxo financeiro para viabilizar tal mudança e estruturação
das termelétricas para assim atuarem, ainda que tais custos sejam superiores,
pois além de dar destinação ao gás produzido no Pré-Sal viabilizará a criação
de milhares de empregos nas cadeias produtivas dos setores elétrico e de
petróleo e gás.
As termelétricas então
entrariam em operação em períodos em que ocorrem menos chuvas, quando então
ocorre menor produção de energia nessas usinas hidrelétricas de menor porte e
vice versa.
É mister ressaltar que ao
se preservar os reservatórios das hidrelétricas se garante o estoque de água
que tanta falta faz para abastecer a população nacional.
A economia nacional
precisará de forte impulso estatal para tentar voltar a sua normalidade, logo
setores que geram (i) grande cadeia produtiva, e consequente (ii) muitos empregos
qualificados e (iii) investimentos intensivos que fazem girar recursos na
sociedade, precisam ser priorizados.
O setor de petróleo e gás
atende os pré-requisitos para qualificar este setor como prioritário por parte
dos governos federal, estaduais e municipais.
Inclusive a expansão da
matriz elétrica, via termelétricas a gás, tem encontrado, ao longo do tempo,
barreira em função da baixa disponibilidade de gás natural no Brasil,, por
exemplo, em agosto e setembro de 2006, o ONS, quando programou o despacho de
usinas termelétricas a gás nas regiões sul e sudeste, por ordem de mérito econômico, identificou a
falta deste combustível para essas usinas. Esse problema portanto poderá ser
minorado a partir da produção do gás associado ao petróleo produzido principalmente
no Pré-Sal, mas sem esquecer a produção terrestre e em águas rasas.
Apenas para ilustrar a
extrema importância nacional deste setor econômico a previsão de investimentos,
somente no estado do Rio de Janeiro - segundo o Diretor de Estudos do Petróleo,
Gás e Biocombustíveis da EPE, Dr. Jose
Mauro Coelho, em sua palestra “Perspectivas do Setor de Petróleo e Gás Natural
no Estado do Rio de Janeiro”, em dezembro de 2019, na Firjan, no painel “Avanços
no Arcabouço Regulatório do Gás Natural”- era o seguinte:
Investimentos
em Exploração & Produção: 2019-2030
1) Exploração : Investimentos de R$ 265
Bilhões
2) Desenvolvimento da Produção: R$ 1,160
Trilhões
3) Suporte Operacional: R$ 230 Bilhões
Totalizando, portanto, R$
1,165 Trilhões de investimentos diretos, além de oportunidades de investimentos
na indústria naval, de equipamentos, e no setor de serviços do Estado do Rio de
Janeiro.
Ou seja, investir neste
setor atende, portanto, diferentes setores econômicos com atração de
investimentos em (i) infraestrutura de escoamento, processamento e transporte
de gás natural, e (ii) na geração e de energia, além de maior aproveitamento de
gás natural no setor industrial e ampliação do consumo de gás natural nos
setores residencial e de transporte, com evidentes impactos sociais e
ambientais positivos
Visando alavancar a
economia após a crise de saúde gerada pelo vírus COVID19, é imperioso que haja
a integração do setor elétrico e de petróleo e gás.
Existem vários projetos
em andamento que precisam ser preservados e prestigiados para que fiquem
operacionais, e atinjam a finalidade a que se propõem. Conforme painel Perspectivas
do Mercado de Gás Natural, apresentado pelo Dr. Alvaro Tupiassu, em 04/12/2019,
a Petrobras tem os seguintes projetos em andamento para aumento da
disponibilidade de Gás Natural, em especial:
·
“-UTG
Sergipe – Viabilizar escoamento e processamento de gás dos campos de águas
profundas de Sergipe/Alagoas;
·
-Rota
3 – UPGN e Gasoduto Rota 3 para aumentar o escoamento e o processamento de gás
do Pré-Sal;
·
-Rota
1 – Adequação da UTGCA para processar o gás do Pré-Sal.”
E, segundo apresentação
da Casa Civil da Presidência da República acerca do Programa de Parcerias de
Investimentos – PPI do Governo Federal, realizada no evento Seminário
Perspectivas e Desafios para a Infraestutura Brasileira, ocorrido na Fundação
Getúlio Vargas – FGV/RJ, em 2019 foram
leiloados 35 importantes ativos de diferentes setores econômicos, com
expectativa de investimentos de R$ 442 Bilhões de reais, com Outorga/Bônus de
R$ 90,7 Bilhões.
Dentre estes projetos
leiloados foram feitos 4 leilões do setor de Petróleo e Gás e 2 leilões de
Energia:
a) Petróleo e Gás:
·
Oferta
Permanente (Leilão 10/09) – Bônus de R$ 22 milhões;
·
16ª
Rodada de Concessões (Leilão 10/10) – Bônus de R$ 8,9 Bilhões;
·
Cessão
Onerosa (Leilão 06/11) – Bônus R$ 69,96 Bilhões;
·
6ª
Rodada de Partilha (Leilão 07/11) – Bônus R$ 5,05 Bilhões e Investimentos
totais de R$ 419,37 Bilhões;
b) Energia
·
Geração
de Energia Nova A-4 (Leilão 28/06)
·
Geração
de Energia Nova A-6 (Leilão 18/10)
Investimentos : R$ 13,06
Bilhões
Outorga: Menor Tarifa
E, o Governo Federal
ainda tem em carteira de Projetos do PPI, após a 11ª Reunião do CPPI os
seguintes projetos dos setores de energia e petróleo e gás:
c) 24 Projetos de Energias
·
12
lotes de Transmissão;
·
02
Desestatizações (Eletrobras e Nuclep)
·
07
licenciamentos
·
01
Parceria – Angra 3
·
02 Leilão de Geração (A-4 e A-6)
d) 02 de Projetos de Petróleo e Gás
·
17ª
Rodada de Concessões
Em 2019 o Governo Federal
instituiu o Programa Novo Mercado de Gás, coordenado pelo Ministério de Minas e
Energia, desenvolvido em conjunto com a Casa Civil da Presidência da República,
Ministério da Economia, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE),
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP e Empresa de
Pesquisa Energética – EPE, para formação de mercado de gás natural aberto,
dinâmico e competitivo. Cujo um dos principais pilares é justamente a integração
do setor de gás com setor elétrico.
Estes Órgãos Oficiais
citados acima compõe o CMGN – Comitê de Monitoramento da Abertura do Mercado de
Gás Natural, que segundo a Dra. Symone Christine de Santana Araújo, diretora da
Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de
Minas e Energia, em apresentação feita no dia 28 de agosto de 2019, perante a
Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados sobre o Novo Mercado de
Gás, tem como objetivos:
·
“Monitorar
a implementação das ações necessárias à abertura do mercado de gás;
·
Propor
medidas ao Conselho Nacional de Política Energética, caso necessário.
A
vigência do Comitê será até 31/12/2019, prorrogável por 1 ano.”
Esse Programa, que
precisa ser priorizado a partir do segundo semestre de 2020, tem como
resultados esperados os seguintes:
·
“Melhorar
o aproveitamento do Gás Natural do Pré-Sal, SE/AL e outras descobertas;
·
Ampliar
investimentos em infraestrutura de escoamento, processamento, transporte e
distribuição de gás natural;
·
Aumentar
a competição na Geração Termelétrica a Gás;
·
Retomar
a competitividade da Indústria em seus diversos segmentos como celulose,
fertilizantes, petroquímica, siderurgia, vidro, cerâmica e outros”
O setor térmico para
geração de energia elétrica obviamente estão sempre sujeitas (i) a questões
geopolíticas relacionadas a disponibilidade dos respectivos combustíveis e (ii)
aos preços de combustíveis que poderão variar bastante, afetando diretamente a
viabilidade de operação das usinas. Esta externalidade que é inserida no
cálculo da energia de tal fonte, precisa ter política governamental e
regulatória sólida, transparente e previsível, visando destravar tais
investimentos e projetos, daí a necessidade de soluções legislativas que levem
ao aumento da competitividade e integração dos setores elétricos e de petróleo
e gás bem como o desenvolvimento em bases cada vez mais sustentáveis.
A partir do dilema
indicado no subtítulo deste artigo pode se caminhar para fora da caverna e
assim jogar luz a possíveis alternativas e soluções ainda não adotadas
plenamente na atual realidade do setor, inserindo na base da matriz brasileira
a energia elétrica proveniente das termelétricas, diminuindo assim a
dependência das usinas hidrelétricas, visando preservar os respectivos ativos e
potencialidades destas últimas que estas agregam para toda a sociedade, em
especial o abastecimento de água para a sociedade, bem extremamente precioso e
caro para todos,
O desafio é que a
dependência elétrica brasileira recaísse em proporção igualitárias das usinas
hidrelétricas e das termelétricas, visando manter equilíbrio entre os períodos
de seca e as variações bruscas dos preços dos insumos das termelétricas, que
podem ser amortercidas com a produção nacional, apesar de tais preços
acompanharem as variações internacionais de preços. Variações que podem ocorrer
por fatores exógeno e imprevisíveis, tais como (i) crise oriunda do vírus
COVID19 e ainda (ii) disputa internacional entre a Rússia e Arábia Saudita.
O momento atual é ideal
para trazer os ensinamentos trazidos da metáfora feita por Platão à tona, sobre
a política ateniense da Grécia, relacionando a importância do conhecimento e da
avaliação constante da realidade que se impõe aos governantes
Os agentes precisam gastar
tempo para causar mecanismos para a geração termelétrica a gás natural, seja
introduzida na base, sem perder de vista o importante papel de complementação
da geração hidrelétrica, além da flexibilidade operativa ao Sistema Interligado
Nacional, inclusive viabilizando a necessária expansão das fontes renováveis
intermitentes, como eólica e solar.
A termelétrica a gás
natural tem sido apontada apenas como uma tecnologia adequada para ser acionada
nos períodos de indisponibilidade da geração a partir dos ventos e do sol e
hídrica.
Porém, há que se submeter
a análise a inversão desta lógica, pois o potencial de expansão das
termelétricas a gás natural é estimado em até 27.000 MW, levando em conta
prioritariamente a expansão de usinas em ciclo combinado.
Nesse sentido, torna-se um
dilema a ser enfrentado as incertezas (i) quanto a disponibilidade do gás
natural, (ii)preço, (iii) necessidade de expansão da infraestrutura de
transporte de gás para os principais centros e locais consumidores, (iv) demanda
firme no horizonte de longo prazo, daí a
importância das Termelétricas operarem na base da matriz elétrica.
Segundo a Aneel, em 2016,
o parque gerador de energia elétrica brasileira possuía 141.053 MW de
capacidade instalada, sendo 65% de hidrelétricas e 29% de termelétricas entre
usinas a biomassa (9%), gás natural (9%), óleo diesel (3%), óleo combustível (3%),
carvão (3%), outros combustíveis fósseis (1%), usinas nucleares (1%) e geração
eólica e solar (6%), sendo que as térmicas desempenham papel de complementar a
geração hidrelétrica e oferece flexibilidade operativa ao SIN, como um backup
aos períodos de seca hidrológica.
O crescimento da geração
elétrica a partir do gás natural é exponencial, tendo sua participação
multiplicada por vinte no período de 2000 até 2015, demonstrando que com os
incentivos corretos é uma fonte viável e agregadora de riqueza para o país, em
diferentes setores econômicos, ou seja, atendendo perfeitamente a necessidade
atual.
Enquanto o gás natural
para atender as térmicas dependem de gasodutos para escoamento da produção nas
bacias marítimas, nos casos de produção em terra existe a vantagem estratégica
de se instalar as respectivas térmicas na “boca do poço”, se convertendo em
benefício locacional e redução de custos de transporte da energia elétrica até
os consumidores.
A falta de uma lei geral
do Gás Natural no Brasil sem dúvida é um dos maiores entraves legislativos a
ser superado, pois cada estado do Brasil dá tratamento legislativo/regulatório
particular ao produto. Qualquer solução que viabilize a maior inserção das
térmicas a gás na matriz elétrica terá que enfrentar o artigo 25 da
Constituição Federal, pois existe um potencial grande para expansão da geração
elétrica a gás natural, que pode alcançar um volume estimado de 60 milhões de
m3 por dia até 2030, sem que haja um esforço de aumento da oferta. .
Se por um lado existe a
real possibilidade e viabilidade desta fonte agregar mais e ter uma parcela
maior da matriz elétrica brasileira , incertezas quanto a expansão da
infraestrutura de transporte de gás condicionada que haja demanda firme reduz o
apetite dos investidores, justificando, ainda mais em momentos como os atuais
de uma participação das instituições governamentais dos três níveis da
Federação: municípios, estados e união federal.
Talvez se for melhor
valorada a questão de emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global,
possa ser um acelerador importante para o setor uma vez que a emissão de gases
na atmosfera equivale a até metade de dióxido de carbono do que outras fontes
como carvão mineral. Não obstante a questão ambiental seja uma variável cada
vez mais valorizada e importante para a sociedade os impactos de emissões e
demais custos operacionais devem ser analisados conjuntamente.
·
O
papel dos reservatórios da hidrelétricas, por exemplo, é uma das variáveis a
ser avaliado pelos agentes possibilitando a sua maximização com térmicas na
base, mas dentre outras destacam-se:
·
.Crescimento
projetado a longo prazo, frente a recessão que se avizinha, oriunda da crise do
coronavírus;
·
Flexibilidade
do sistema;
·
Posição
hidrelétrica (70% da capacidade instalada);
·
Estocagem
e importância estratégica dos reservatórios hídricos;
·
Sistema
de transmissão da energia elétrica, produzida pelas térmicas;
·
Eventual
desmobilização no caso de desativação de um empreendimento, bem como remoção ou
troca de uma linha de produção;
E segundo o trabalho publicado
pela EPE, em 2016, Energia Termelétrica – Gás Natural, Biomassa, Carvão,
Nuclear, coordenado pelo Dr. Mauricio T. Tolsmaquim:
“A perda de regularização dos reservatórios e a necessidade crescente
e permanente de flexibilidade no sistema apontam para uma mudança no paradigma
operativo. No contexto de protagonismo das NER, a geração hidráulica passa a
ser também valorada como recurso de flexibilidade, em vez de recurso meramente
energético (HIRTH, 2016).
A gestão dos
reservatórios deve assegurar a manutenção de um nível mínimo suficiente da
reserva para evitar deplecionamentos acentuados, possibilitando a provisão de
flexibilidade hídrica. O menor deplecionamento eleva a garantia de suprimento
do sistema e reduz os conflitos com os demais usos da água.
A remuneração adequada da
flexibilidade ofertada pelo bloco hidráulico pode compensar perdas financeiras
com a menor geração hidráulica. A vantagem de remunerar a flexibilidade (fluxo)
e não o estoque (reserva) é dar sinais de preço adequados aos demais recursos
de flexibilidade, como a resposta da demanda.
Para recompor a
capacidade de regularização dos reservatórios, liberando as hidrelétricas para
provisão de flexibilidade, parte da geração térmica deve voltar-se para a base
da carga. A perda de regularização dos reservatórios abre espaço para maior
complementação entre geração térmica na base e expansão de novas energias
renováveis. Dessa forma, embora os sistemas elétricos em geral enfrentem o
mesmo desafio de provisão de flexibilidade do sistema residual à penetração das
NER, as melhores respostas são específicas às singularidades de cada sistema.
A harmonização entre gás e eletricidade pode ocorrer por
mecanismos distintos da reintegração das indústrias em sistemas térmicos
tradicionais. Enquanto nesses sistemas a busca por maior flexibilidade da
indústria do gás, em geral já madura, pode facilitar a reintegração
gás-eletricidade, a maior inflexibilidade térmica pode facilitar a maior
penetração das NER e propiciar a remuneração adequada da flexibilidade hídrica.”(o grifo e o negrito não constam do
original).
Pelo exposto, existem
alternativas a serem adotadas em curto e médio prazo em relação a estruturação
de um novo desenho do mercado de gás natural no Brasil, ancorando nesse momento
de crise global o crescimento do parque energético nacional, nas
termoelétricas, viabilizando os investimentos que estavam previstos e
“contratados” pelo mercado para ocorrerem entre os anos de 2019 e 2030.
É evidente a importância
institucional de desenvolver, através de ferramentas concretas, mecanismos de
apoio ao planejamento integrado de gás natural e energia elétrica,
potencializando a sinergia e benefícios que existem esses dois setores para a
economia nacional.
Para que a reflexão feita
por Platão, narrada em sua obra “A República”, a sua obra mais complexa, tenha
proveito e aplicação atual, no setor de energia do Brasil, é importante que os
agentes públicos e privados dos setores de energia elétrica e do petróleo e gás
apliquem a dúvida socrática de nunca aceitar o que se “enxerga” como verdades
absolutas, integrando os serviços e produtos da energia produzida pelas usinas
térmicas aos das hidrelétricas, potencializando cada um dos benefícios que cada
fonte agrega ao sistema elétrico nacional.
(*) Comissão de Direito da Energia Elétrica do Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB Nacional