A propósito da hierarquia entre os entes da federação, a Constituição Federal (CF) de 1988 estabelece a competência privativa da União legislar sobreenergia, conforme se observa o disposto no inciso V do Art. 22, abaixo transcrito:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
V - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;
Assim, a CF atribuiu unicamente à União a competência privativa para legislar sobre energia.
Entende-se por privativa aquela competência legislativa específica de um ente, contudo admite-se a delegação para um outro ente. No caso, a CF estabeleceu no parágrafo único do Art. 22, que a União pode - através de lei complementar - autorizar os Estados a legislar sobre matérias de sua competência privada.
A competência legislativa privada difere da exclusiva, visto que esta é competência atribuída a somente um ente da federação com exclusão dos demais, pois é indelegável e irrenunciável.
Logo, sem lei complementar autorizando, os Estados não podem legislar sobre matérias privativas da União, que no caso é sobre energia.
Deste modo, caberia somente a União definir de normas para a exploração da atividade econômica de comercialização de gás natural em todo o território nacional.
Devido a inércia da União em legislar sobre tal matéria, os Estados foram, individualmente, legislando sobre a atividade econômica de comercialização de gás natural, visando interesses locais.
A lacuna que existia, foi suprida com a publicação da Lei Federal nº 11.909/2009 (Lei do Gás Natural), na qual foram estabelecidas normas para a exploração das atividades econômicas de comercialização de gás natural.
No entanto, desconsiderando o atual regramento, os Estados continuam a legislar sobre a matéria, em fragrante violação do preceito constitucional.
À respeito da invasão da competência privativa da União do inciso V, do Art. 22 da CF, o Supremo Tribunal Federal tem julgado pela inconstitucionalidade da norma estadual ou distrital:
“ Competência normativa. Telefonia. Assinatura básica mensal. Surge conflitante com a Carta da República lei local a dispor sobre a impossibilidade de cobrança de assinatura básica mensal pelas concessionárias de serviços de telecomunicações.” (ADI 4.369, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 15-10-2014, Plenário, DJE de 3-11-2014.) No mesmo sentido: ADI 4.603-MC, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 26-5-2011, Plenário, DJE de 6-3-2012.
“O texto constitucional não impede a edição de legislação estadual ou municipal que – sem ter como objeto principal a prestação dos serviços de telecomunicações – acabe por produzir algum impacto na atividade desempenhada pelas concessionárias de serviço público federal. (...) Esse não é o caso da norma contestada, a qual institui obrigação diretamente relacionada ao objeto da concessão do serviço móvel pessoal. Ao determinar que as empresas forneçam à polícia judiciária informações sobre a localização de aparelhos de telefonia móvel, estabelecendo prazos, dispondo acerca do uso dos números de emergência e impondo o pagamento de multa, se houver descumprimento, o legislador estadual atua no núcleo da regulação da atividade de telecomunicações, de competência da União, no que a esta última cabe disciplinar o uso e a organização desses serviços.” (ADI 4.739-MC, voto do rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 7-2-2013, Plenário, DJE de 30-9-2013.)
“Art. 1º, caput e § 1º, da Lei 5.934, de 29-3- 2011, do Estado do Rio de Janeiro, o qual dispõe sobre a possibilidade de acúmulo das franquias de minutos mensais ofertados pelas operadoras de telefonia, determinando a transferência dos minutos não utilizados no mês de sua aquisição, enquanto não forem utilizados, para os meses subsequentes. Competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações. Violação do art. 22, IV, da CF.” (ADI 4.649-MC, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 28-9-2011, Plenário, DJE de 21-11-2011.)
“O sistema federativo instituído pela CF de 1988 torna inequívoco que cabe à União a competência legislativa e administrativa para a disciplina e a prestação dos serviços públicos de telecomunicações e energia elétrica (CF, arts. 21, XI e XII, b , e 22, IV). A Lei 3.449/2004 do Distrito Federal, ao proibir a cobrança da tarifa de assinatura básica ‘pelas concessionárias prestadoras de serviços de água, luz, gás, TV a cabo e telefonia no Distrito Federal’ (art. 1º, caput), incorreu em inconstitucionalidade formal (...).” (ADI 3.343, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux, julgamento em 1º-9-2011, Plenário, DJE de 22-11-2011.)
“(...) as Leis fluminenses 3.915/2002 e 4.561/2005, ao obrigarem as concessionárias dos serviços de telefonia fixa, energia elétrica, água e gás a instalar medidores de consumo, intervêm na relação firmada entre a União e suas concessionárias, pelo que contrariam os arts. 21, XI e XII, b ; e 22, IV, da Constituição da República.” (ADI 3.558, voto da rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 17-3-2011, Plenário, DJE de 6-5-2011.)
“Lei estadual 12.983/2005 de Pernambuco versus CF, 5º, X; 21, XI; e, 22, I e IV. Afronta por instituir controle de comercialização e de habilitação de aparelhos usados de telefonia móvel.” (ADI 3.846, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 25-11-2010, Plenário, DJE de 15-3-2011.)
“A Lei distrital 4.116/2008 proíbe as empresas de telecomunicações de cobrarem taxas para a instalação do segundo ponto de acesso à internet. O art. 21, XI, da Constituição da República estabelece que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, enquanto o art. 22, IV, da Constituição da República dispõe ser da competência privativa da União legislar sobre telecomunicações. Ainda que ao argumento de defesa do consumidor, não pode lei distrital impor a uma concessionária federal novas obrigações não antes previstas no contrato por ela firmado com a União.” (ADI 4.083, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 25-11-2010, Plenário, DJE de 14-12-2010.)
"Lei 18.721/2010 do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre o fornecimento de informações por concessionária de telefonia fixa e móvel para fins de segurança pública. Competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações. Violação ao art. 22, IV, da Constituição. Precedentes." (ADI 4.401-MC, rel. min.Gilmar Mendes, julgamento em 23-6-2010, Plenário, DJE de 1º-10-2010.)
"Lei 10.248/1993 do Estado do Paraná, que obriga os estabelecimentos que comercializem Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) a pesarem, à vista do consumidor, os botijões ou cilindros entregues ou recebidos para substituição, com abatimento proporcional do preço do produto ante a eventual verificação de diferença a menor entre o conteúdo e a quantidade líquida especificada no recipiente. Inconstitucionalidade formal, por ofensa à competência privativa da União para legislar sobre o tema (CF/1988, art. 22, IV, e art. 238). Violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos.” (ADI 855, rel. p/ o ac. min. Gilmar Mendes, julgamento em 6-3-2008, Plenário, DJE de 27-3-2009.)
"Imposição, às empresas de telefonia fixa que operam no Distrito Federal, de instalação de contadores de pulso em cada ponto de consumo. (...) A Lei distrital 3.596 é inconstitucional, visto que dispõe sobre matéria de competência da União, criando obrigação não prevista nos respectivos contratos de concessão do serviço público, a serem cumpridas pelas concessionárias de telefonia fixa – art. 22, IV, da CB." (ADI 3.533, rel. min. Eros Grau, julgamento em 2-8-2006, Plenário, DJ de 6-10-2006.) No mesmo sentido: ADI 4.533-MC, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 10-11-2011, Plenário, DJE de 1º-2-2012. Vide: ADI 4.083, rel. min.Cármen Lúcia, julgamento em 25-11-2010, Plenário, DJE de 14-12-2010.
Cid Tomanik Pompeu Filho - é advogado especialista no mercado de gás natural e gás canalizado. Membro do Comitê da Energia da OAB/SP.
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