O processo foi iniciado com base em denúncia feita pela Companhia de Gás de São Paulo (Comgás) em março do ano passado. A Petrobras estaria fornecendo gás natural com suposto favorecimento às distribuidoras do Sistema Petrobrás.
Dentre as reclamações da Comgás, a empresa alega que a Petrobras dispensava tratamento discriminatório no Estado por meio de descontos que beneficiariam a Gás Brasiliano Distribuidora (GBD), concessionária de propriedade da Petrobras.
A Petrobras tem 30 dias para apresentar defesa. Ao final da instrução processual, a Superintendência opinará pela condenação da representada ou arquivamento do processo e remeterá o caso para julgamento do Tribunal Administrativo do Cade, responsável pela decisão final.
fonte: Agência Estado
NOTA TÉCNICA Nº
48/2015/CGAA4/SGA1/SG/CADE
Representante: Companhia de
Gás de São Paulo
Advogados/as: Juliano Souza
de Albuquerque Maranhão, Tamara Hoff, Tercio Sampaio Ferraz Junior e outros/as
Representada: Petróleo Brasileiro
S.A.
Advogados/as: Alex Azevedo
Messeder, Juliana Carneiro Martins de Menezes e outros/as
EMENTA: Inquérito
Administrativo. Representante: Companhia de Gás de São Paulo. Representada:
Petróleo Brasileiro S.A. Suposta conduta unilateral de discriminação de
preços e condições de contratação. Setor de transporte e distribuição de gás
natural canalizado. Instauração de processo administrativo para imposição de
sanções administrativas por infrações à ordem econômica a partir de Inquérito
Administrativo instaurado pela Superintendência-Geral do Cade, nos termos dos
arts. 13, V, e 67 da Lei nº 12.529/2011, c/c os arts. 135 e seguintes do
Regimento Interno do Cade.
|
VERSÃO PÚBLICA
Por meio do presente
documento, a Superintendência-Geral do Cade encerra a análise em fase de
inquérito administrativo do processo em referência, cujo objeto é denúncia da
Representante Comgás em face da Representada Petrobras alegando suposta
discriminação anticompetitiva no fornecimento de gás natural às distribuidoras
de gás natural canalizado, com suposto favorecimento às distribuidoras
integradas ao Sistema Petrobras. São expostos os indícios apurados durante a
fase de inquérito, do que se conclui pela necessidade de instauração de
processo administrativo, nos termos dos arts. 13, V, e 67 da Lei nº
12.529/2011, c/c os arts. 135 e seguintes do Regimento Interno do Cade.
1.
Trata-se de Inquérito Administrativo para Apuração
de Infrações à Ordem Econômica originado de representação fundamentada (fls.
01-27) da Companhia de Gás de São Paulo (“Comgás” ou “Representante”)
e instaurado por despacho de 17 de abril de 2014 (fl. 278), que acolheu as
razões de Nota Técnica nº 117/2014 (fls. 275-7) em virtude de alegada prática
anticoncorrencial de abuso de posição dominante e de limitação, falseamento e
prejuízo à livre concorrência, passível de ser enquadrada nos incisos IV (criar
dificuldades à constituição, ao funcionamento, ou ao desenvolvimento de empresa
concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços) e
X (discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por mei2o da
fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou
prestação de serviços) do §3º do art. 36 da Lei nº 12.529/2014, combinados com
os incisos I e IV do caput do mesmo dispositivo,
correspondentes ao art. 20, incisos I e IV, combinados com o art. 21, incisos V
e XII, da Lei nº 8.884/1994. Consta como Representada no presente feito a
seguinte pessoa jurídica:
i.
Petróleo Brasileiro S.A. (“Petrobras”),
pessoa jurídica de direito público federal, registrada no CPNJ sob o nº
33.000.167/0001-01, com sede na Avenida República do Chile, nº 65/502, Centro,
Rio de Janeiro, RJ.
2.
O procedimento teve início com a apresentação por
parte da Comgás, em 27 de março de 2014, de representação fundamentada em face
da Petrobras em virtude de suposta infração à ordem econômica consistente em
tratamento discriminatório no fornecimento de gás natural para as
distribuidoras de gás natural canalizado do Estado de São Paulo, em particular
por meio de descontos que beneficiariam a Gás Brasiliano Distribuidora S.A.
(“GBD”), concessionária de propriedade da Petrobras, em detrimento da Comgás. A
representação discorre sobre: (i) preocupações concorrenciais advindas da
posição dominante da Petrobras na cadeia do gás natural; (ii) a atuação do Cade
em processos relativos à Petrobras nesse setor; (iii) a suposta conduta
discriminatória no caso concreto; e (iv) a natureza concorrencial, e não
exclusivamente privada, da suposta conduta. A Representante juntou ainda 14
documentos, dentre eles instrumentos de mandato, peças de informação,
documentos comprobatórios e dois pareceres, um deles de autoria da Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (“ANP”), intitulado “Análise
da regulamentação, da estrutura da indústria e da dinâmica de formação dos
preços de gás natural no Brasil” (Nota Técnica Conjunta nº 002/2011-CDC-SCM,
fls. 226-69), e o outro de autoria da Consultoria Empresarial em Energia e
Regulação Ltda. (“Zenergás”), sobre a “Aplicação do princípio da isonomia às
Concessionárias prestadoras dos serviços de distribuição de gás canalizado no
Estado de São Paulo, no que se refere a cláusulas nos contratos de suprimento
de gás” (fls. 271-4).
3.
A partir da representação, o Despacho nº 442/2014
(fl. 278) determinou a instauração de inquérito administrativo, acolhendo a
Nota Técnica nº 117/2014/SG/CADE (fls. 275-7) que entendeu pela existência de
indícios de condutas anticoncorrenciais por parte da PETROBRAS que, se confirmados,
podem ser passíveis de enquadramento na legislação de defesa da concorrência,
exigindo-se, portanto, uma análise mais cuidadosa.
4.
A Representada foi devidamente intimada por meio do
Ofício nº 1613/2014/SG/CADE para que apresentasse manifestação sobre as
alegações trazidas na representação. Em resposta juntada às fls. 292-318, a
Representada discorre sobre: (i) a duplicidade de procedimentos nas esferas
judicial e administrativa; (ii) a diferença nas espécies de contratos de
fornecimento de gás; (iii) o histórico de negociação com a Representante; e
(iv) o caráter alegadamente isonômico do desconto concedido e a inexistência de
discriminação ilícita na venda do gás. A manifestação foi acompanhada de 36
anexos, entre instrumentos de mandato, peças de informação e documentos
comprobatórios.
5.
Após a contestação da Representada, esta
Superintendência-Geral do Cade (“SG”) procedeu ao envio de uma rodada de
ofícios para colher a opinião da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do
Estado de São Paulo (“ARSESP”, Ofício nº 2233/2014/SG/CADE, fls. 530-1) e da
terceira distribuidora de gás canalizado do estado, Gás Natural São Paulo Sul
(“SPS”, Ofício nº 2287/2014/SG/CADE, fls. 534-6), bem como para questionar à
Petrobras mais detalhes acerca da prática de descontos (Ofício nº
2288/2014/SG/CADE, fls. 538-42) e para colher a réplica da Comgás (Ofício nº
2289/2014/SG/CADE, fls. 544-5).
6.
Posteriormente à chegada das respostas, foi
necessária nova rodada de instrução, tendo-se oficiado: a Petrobras, para
colher tréplica e elucidar aspectos do histórico de negociação contratual com
as distribuidoras de gás canalizado (Ofício nº 2896/2014/SG/CADE, fls. 601-3);
a ARSESP, para colher informações e opinião sobre as condições de migração
contratual oferecidas pela Representada (Ofício nº 2897/2014/SG/CADE,
fls.619-21); a Comgás, para elucidar controvérsias de natureza privada entre as
partes (Ofício nº 2898/2014/SG/CADE, fls. 610-2); e o Grupo Gás Natural Fenosa,
para apurar elementos da suposta conduta de discriminação (Ofício nº
2899/2014/SG/CADE, fls. 607-8).
7.
A seguir, foram enviados à Petrobras os Ofícios
SG/CADE nº 3896/2014 (solicitando maiores explicações sobre o motivo de não
estender os descontos a todos os contratos, fls. 731-3), nº 4196/2014
(solicitando justificativa de pedido de sigilo, fls.744-5) e nº 4781/2014 (fls.
805-6, para comunicar a decisão do Despacho nº 1326/2014, fl. 804, que
determinou a abertura de informações protocoladas como de acesso restrito,
conforme análise da Nota Técnica nº 343/2014/SG/CADE, fls. 797-803).
8.
Em virtude de dúvida de natureza técnica, enviou-se
o Ofício 4725/2014/SG/CADE (fls. 789-90) à Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis.
9.
Abaixo se encontra tabela com os dados sobre os
ofícios enviados pela SG e as folhas dos autos em que foram acostadas as respostas.
Tabela
1 – Lista de ofícios enviados pela SG e folhas em que as respostas foram
acostadas aos autos
Destinatária
|
Ofício n°
|
Ofício fls.
|
Fls. resposta versão pública
(autos públicos)
|
Fls. versão de acesso restrito
(respectivos autos)
|
Petrobras
|
1613/2014
|
279
|
292-318
|
-
|
ARSESP
|
2233/2014
|
530-531
|
558-562
|
-
|
Gás Natural São Paulo Sul
|
2287/2014
|
534-536
|
554-556
|
3-5
(restrito Cade)
|
Petrobras
|
2288/2014
|
538-542
|
591-600
|
2-11
(restrito Cade e Petrobras)
|
Comgás
|
2289/2014
|
544-545
|
572-589
|
383-401
(restrito Cade e Comgás)
|
Petrobras
|
2896/2014
|
601-603
|
638-663
|
154-179
(restrito Cade e Petrobras)
|
ARSESP
|
2897/2014
|
619-621
|
726-727
|
216-217
(restrito Cade e Petrobras)
|
Comgás
|
2898/2014
|
607-608
|
694-703
|
452-462
(restrito Cade e Comgás)
|
Grupo Gás Natural Fenosa
|
2899/2014
|
610-612
|
630-631
|
53-54
(restrito Cade)
|
Petrobras
|
3869/2014
|
731-733
|
755-757
|
271-273
(restrito Cade e Petrobras)
|
Petrobras
|
4196/2014
|
744-745
|
748-750
|
-
|
ANP
|
4725/2014
|
789-790
|
850-852
|
-
|
Petrobras
|
4781/2014
|
805-806
|
812-842
|
31-66
(restrito Cade, Comgás e Petrobras)
|
Fonte:
elaboração própria a partir de informações dos autos.
10.
Por fim, foram recebidas manifestações espontâneas
da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (“Abegás”),
às fls. 705-6 e 783-7, da própria Representante, no documento SEI nº 0015759,
que trouxe aos autos dois pareceres econômicos opinando sobre a suposta conduta
alvo de denúncia, e da Representada, nas manifestações SEI nº 0041134 e
SEI nº0063200.
11.
É o relatório.
12.
O presente inquérito busca investigar indícios de
conduta anticoncorrencial unilateral consistente em discriminação de preços e
condições de contratação supostamente empreendida pela Petrobras no mercado de
distribuição de gás canalizado. A presente Nota Técnica trata das conclusões
obtidas em fase de inquérito administrativo para fins de arquivamento do feito
ou de instauração de Processo Administrativo, nos termos dos artigos 67 e 69 da
Lei nº 12.529/2011. Para tanto, passa-se a fornecer contextualização mais
detalhada do caso (seção 2.1), para depois empreender a definição dos mercados
relevantes (seção 2.2), a descrição da conduta investigada como ilícito
concorrencial (seção 2.3) e os indícios que fundamentam a recomendação final
desta SG de instauração de Processo Administrativo (seção 2.4, que traz análise
de poder de mercado; seção 2.5, que estuda a possibilidade de prejuízo à
concorrência; e seção 2.6, que investiga a existência, as motivações e a
justificativa para a suposta conduta discriminatória).
13.
Devido ao histórico de negociação contratual e
política comercial da Petrobras, assim como de formação do setor de gás natural
no Brasil, existe hoje uma série de modalidades diferentes de contratos de
fornecimento de gás natural.
14.
O setor termelétrico possui algumas especificidades
e tem um modelo de contrato próprio, com preço privilegiado. Visto que tais
contratos não são objeto da denúncia e que esse setor opera com dinâmica
distinta das outras formas de consumo (industrial, residencial, automotivo
etc.), esta SG optou por não incluir tais contratos na presente análise.
15.
Para os demais setores, atualmente o consumo se dá,
em regra, através da malha de distribuição[1] por
meio de contrato firmado entre o cliente final e a própria distribuidora, cujo
preço é sujeito à regulação estadual. Os preços de fornecimento que a
distribuidora contrata com a Petrobras também podem estar sujeitos à aprovação
do ente regulador estadual, a depender do estado. Antes de 2007, havia duas
modalidades básicas para uma distribuidora adquirir gás: alguns estados eram
abastecidos pelo gasoduto Bolívia-Brasil e contratavam o produto com o preço do
gás boliviano (chamados “contratos TCQ”[2]),
enquanto outros estados estavam conectados a demais gasodutos e contratavam o
gás ao preço do gás nacional (chamados “contratos de gás nacional”). Assim,
havia duas modalidades contratuais básicas e a possibilidade de utilizá-las
estava sujeita à localização geográfica da distribuidora local, sendo os preços
diretamente relacionados às diferenças nos respectivos custos de produção.
16.
A partir de 2007, a Petrobras decidiu unificar a
sua política comercial para as distribuidoras sob uma única modalidade
contratual básica, denominada Nova Política de Preços (NPP), o que representou
uma mudança significativa nos mecanismos de precificação.
17.
Anteriormente, a fórmula de cálculo dos preços no
contrato era composta por duas variáveis, uma referente ao custo da molécula de
gás e outra referente ao custo do transporte. Assim, o gás proveniente do
produtor boliviano tinha um custo de molécula diferente do gás proveniente do
produtor nacional, o que refletia no preço repassado pela Petrobras às
distribuidoras. Ainda, cada distribuidora pagava um preço de transporte que
refletia a distância percorrida pelo gás. Desta forma, o preço dos contratos
estava atrelado à origem do gás.
18.
O advento da NPP ocorreu de forma concomitante aos
esforços de integração da malha dutoviária nacional de transporte por parte da
Petrobras e a construção de terminais de importação de gás natural liquefeito
(“GNL”) associados a estações de regaseificação. Com isso, a Petrobras
passou a organizar a oferta por gás canalizado de toda a malha integrada
segundo uma lógica postal, na qual os estados localizados a distâncias maiores
das regiões produtoras e/ou importadoras têm o custo de transporte subsidiado. Isso
foi viabilizado por uma mudança na fórmula contratual de precificação: na NPP,
a parcela da molécula e a parcela de transporte não são utilizadas, dando lugar
a uma parcela fixa e outra variável, que são mais flexíveis para que a
Petrobras aplique a política postal de preços.
19.
Ocorre que, à época da NPP, as distribuidoras já
possuíam contratos em vigor com a Petrobras. Assim, seria necessário esperar
tais contratos perderem a vigência ou rescindi-los para migrar o volume já
contratado para a NPP.
20.
A Comgás celebrou um contrato TCQ com a Petrobras
em 1996. Tal instrumento foi uma das maneiras de viabilizar a própria
construção do gasoduto Bolívia-Brasil e, também por isso, foi constituído como
contrato de longo prazo, com vigência até 2019. Posteriormente, para contratar
um volume adicional de gás depois de 2007, a Comgás celebrou, ainda, contrato
NPP com a Petrobras. Dessa forma, o preço final da Comgás é formado a partir de
um mix entre os contratos NPP e TCQ que ela atualmente possui.
A GBD, por sua vez, contrata todo o seu fornecimento de gás por meio da NPP
desde o mês de dez 2012.
21.
Na denúncia oferecida, a Comgás alega que a
Petrobras iniciou, em abril de 2011, uma política de descontos somente nos
contratos NPP, beneficiando distribuidoras verticalmente integradas para as
quais a NPP tem maior peso no mix, em especial a GBD. Em razão
disso, o preço do mix da Comgás estaria mais caro que o das
distribuidoras integradas sem justificativa legítima, o que estaria lhe
causando prejuízo. Tais alegações constituem o objeto de investigação do
presente caso.
22.
Antes de adentrar na análise de mérito, cumpre
ressaltar que a argumentação das partes trouxe aos autos demandas judiciais e
arbitrais de natureza privada. A Petrobras entende que a demanda judicial [3] (AUTOS
RESTRITOS AO CADE, À COMGÁS E À PETROBRAS) poderia se confundir com a
denúncia do presente caso. Segundo a Representada, a Comgás teria a mesma causa
de pedir nos dois processos, alegando violação da Lei nº 12.529/2011 e
requerendo a aplicação isonômica de descontos perante ambos o Cade e a Justiça.
Naquela ação, o juiz ordenou que o Cade se manifestasse a respeito de seu
interesse em integrar a lide. Visto que o Cade não teve interesse em integrar a
lide naquele momento, pois teria considerado seu objeto como matéria privada, a
Petrobras “postula que haja definição prévia por parte do Cade em relação ao
caráter privatista ou publicista do assunto e, como consequência, decida pelo
arquivamento imediato do presente inquérito ou a participação do Cade como
Assistente na lide movida pela COMGÁS no TJ/RJ” (fl. 296).
23.
Nos dois processos, (ACESSO RESTRITO CADE,
COMGÁS E PETROBRAS). Entretanto, observa-se que o principal fundamento para
o pedido formulado perante o Judiciário é (ACESSO RESTRITO CADE, COMGÁS
E PETROBRAS), diferentemente do principal fundamento ora utilizado perante
o Cade, de infração da ordem econômica. De fato, o pedido do processo
originário na Justiça consiste expressamente no (ACESSO RESTRITO CADE,
COMGÁS E PETROBRAS), conforme se depreende do pedido exordial formulado à
fl. 28 daquele feito. Por esses motivos, em petição de 13 de junho de 2014
naqueles autos, o Cade entendeu que o processo judicial em questão não parecia
ter como objeto a discussão de valores difusos e coletivos, concluindo que
naquele momento não tinha interesse em integrar a lide, com fundamento no
parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.529/2011.
24.
Em 4 de outubro de 2014, a Petrobras formulou
pedido à Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade (“ProCade”)
por meio de memorial, cuja cópia foi juntada ao presente processo como SEI nº 0068663,
em que solicita o ingresso do Cade para integrar a lide no Judiciário. Naquela
peça, a Petrobras em nenhum momento fundamenta seu pedido como um imperativo ou
condição sine qua non para o prosseguimento do presente
inquérito administrativo, mas apenas como algo desejável do ponto de vista
técnico, considerando que, em seu entendimento, a causa de pedir remota da
Comgás nos processos judiciais seria uma infração da ordem econômica. Nota-se,
portanto, postura contraditória da Representada ao demandar, no presente
processo, o arquivamento do feito caso o Cade não demonstre interesse em
integrar a lide judicial.
25.
A SG entende que não existe nenhuma obrigação legal
de o Cade, para que possa proceder à investigação de uma infração da ordem
econômica, se manifeste judicialmente acerca de danos privados causados por tal
infração. Pelo contrário, a atuação do Cade como órgão judicante administrativo
independe de sua atuação enquanto parte em processos judiciais, não sendo uma
requisito da outra. Portanto, a abertura de Processo Administrativo para
Imposição de Sanções Administrativas por Infrações à Ordem Econômica, nos termos
do art. 69 da Lei nº 12.529/2011, prescinde de intervenção judicial por parte
do Cade.
26.
Além disso, tendo em vista que o Cade não proferiu
decisão com trânsito em julgado na esfera administrativa, não existe
posicionamento definitivo da autarquia acerca da existência ou não da conduta
infratora no presente caso, muito menos de dano privado dela decorrente.
Decorre que a conclusão da investigação em seara administrativa serve também
para informar o Cade da eventual necessidade de intervir judicialmente para
proteger direito difuso e coletivo. Por isso, é prática padrão do Cade evitar
integrar lides sobre supostas infrações cuja investigação ainda pende de
conclusão. Assim, a SG considera que o pedido formulado pela Representada
requerendo, alternativamente, ou o arquivamento do presente inquérito, ou a
decisão do Cade de integrar a lide nos mencionados processos judiciais não deve
ser acatado.
27.
Conclui-se que a presente investigação se volta a
apurar a existência de infração da ordem econômica, o que não se confunde com
danos privados decorrentes das práticas comerciais objeto dos mencionados
litígios, práticas essas que podem ou não vir a ser consideradas condutas
anticompetitivas por esta autarquia. Ressalta-se, por fim, que o Cade pode vir
a decidir integrar a lide naqueles processos por fundamentos diversos aos
apresentados pela Petrobras no presente processo, tais como a conclusão da
presente investigação, a conveniência de dar suporte técnico especializado para
a cognição do Judiciário, entre outros motivos com fundamento na lei.
28.
A cadeia do gás natural é dividida em três níveis.
O nível upstream abrange desde a exploração de áreas viáveis
de extração até a produção e o escoamento a refinarias, ou, alternativamente, a
importação. O midstream compreende o processamento e o
transporte em dutos de alta pressão. Por fim, o downstream consiste
na distribuição local de gás através de dutos de média e baixa pressão ou de
caminhões de gás liquefeito (GNL) ou comprimido (GNC).[4]
29.
Na dimensão produto, a conduta investigada estaria
sendo perpetrada a partir do mercado midstream de transporte,
a montante, até o mercado de distribuição, a jusante. Assim, os
mercados relevantes na dimensão produto são definidos como o transporte e a
distribuição de gás canalizado.
30.
Além desses mercados, é importante notar que
existem combustíveis relativamente substitutos ao gás natural igualmente
utilizados em processos caloríficos e energointensivos. Tais combustíveis podem
genericamente consistir em diversas fontes de transformação de algum tipo de
energia em energia térmica, tais como lenha, biomassa, combustíveis fósseis e
até mesmo energia elétrica. Os substitutos mais próximos ao gás natural em
termos concorrenciais são o óleo combustível e o gás liquefeito de petróleo (“GLP”).[5] Portanto,
apesar de se adotar aqui a dimensão produto tradicional de transporte e
distribuição de gás natural, a SG entende que devem ser considerados, ainda, as
implicações concorrenciais geradas pela participação da Representada nas
indústrias de combustíveis substitutos, conforme será feito na seção 2.4
adiante.
31.
Na indústria do gás natural, de um lado, a cadeia
de produção tem etapas que podem, em tese, funcionar em ambiente concorrencial
menos regulado, mais conformado pela livre concorrência, como a produção, a
comercialização e o consumo. De outro, nas etapas relevantes ao presente
processo é possível vislumbrar uma conformação de mercado mais típica de
monopólios naturais, em virtude do alto custo fixo de construção dos dutos, do
baixo custo marginal de fornecimento após a implantação do duto e dos ganhos de
escala e de rede decorrentes.[6] Em
razão disso, tais atividades são reguladas no Brasil.
32.
Por força da Constituição Federal (art. 25, §2º), a
distribuição de gás canalizado é considerada serviço público de competência dos
estados, que costumam explorar a atividade por meio de empresas estatais sob
seu controle, constituídas para esse fim, ou através de chamamento ou licitação
para outorga da atividade a empresas privadas. Uma vez garantida a concessão, a
distribuidora detém exclusividade sobre a prestação desse serviço na respectiva
área de concessão e tem sua atividade, inclusive o preço, regulada pelo estado
federado. Alguns estados possuem agências reguladoras próprias, separadas da
administração estadual (ex.: SP e RJ).
33.
Por sua vez, a atividade de transporte canalizado
de gás é regulada em nível federal pela ANP. Até 2009, vigoraram as
determinações da Lei nº 9.748/1997 (Lei do Petróleo), cujo regime foi bastante
alterado pela Lei nº 11.909/2009[7] (Lei
do Gás), conforme o quadro abaixo:
Quadro
1 – Quadro comparativo entre os marcos regulatórios do transporte de gás
Aspecto regulatório
|
Lei do Petróleo (1997)
|
Lei do Gás (2009)
|
Regime de outorga
|
Autorização
|
Concessão (30 anos)*
|
Novos gasodutos
|
Livre iniciativa de agentes do mercado
|
Propostos pelo MME
|
Contratos de transporte
|
Enviados à ANP até 15 dias após assinatura
|
Previamente aprovados pela ANP
|
Tarifas de transporte
|
Negociada entre as partes
|
Estabelecida ou aprovada† pela
ANP
|
Acesso de terceiros
|
Negociado entre as partes
|
Regulado pela ANP
|
Importação e exportação
|
Autorizadas pela ANP
|
Autorizadas pelo MME
|
Estocagem
|
Não contemplada
|
Concedida ou autorizada
|
Atividade de comercialização
|
Não contemplada
|
Aprovada pela ANP
|
*
Autorização para alguns casos específicos.
†
Aprovada apenas para o caso de gasodutos autorizados.
Fonte:
ANP.[8]
34.
A linha divisória entre o transporte e a
distribuição são os city gates, que consistem em mecanismos
instalados nos dutos de alta pressão (transporte) permitindo a medição e a
transferência para dutos de média e baixa pressão (distribuição). Nesse ponto,
esgota-se também a competência da ANP e passa a vigorar a regulação estadual.
35.
No Brasil, existem duas redes principais de dutos
de transporte: a rede da região Norte (AM) e a rede interligada das regiões
Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul. Embora seja possível pensar a
delimitação geográfica do mercado relevante nesses termos, ou até mesmo mais
localizados, considerando a direção do fluxo de gás nos dutos e a sua
capacidade de transporte, entende-se que, para o presente caso, esse
aprofundamento é desnecessário. Isso se deve a dois fatores principais: (i) a
eventual conduta surtiria efeitos anticompetitivos apenas no mercado de
distribuição a jusante, no qual a integração de malhas interestaduais para fins
de transporte é considerada bypass regulatório e, em regra,
proibida;[9] (ii)
a Petrobras é praticamente monopolista no mercado brasileiro de transporte de
gás, sendo indiferente o recorte geográfico para a montagem da estrutura de
oferta de transporte no presente caso. Assim, tendo em vista que a Petrobras
atua em âmbito nacional e que o mercado de transporte também tem abrangência
interestadual e inter-regional, adota-se aqui a definição de mercado
relevante sob a dimensão geográfica nacional, com a ressalva de que outras
definições podem servir melhor a casos futuros.
36.
Quanto ao mercado de distribuição, devido à
exclusividade de atuação de cada concessionária no respectivo território, o
Cade tradicionalmente definia o mercado relevante geográfico como a área de
concessão da distribuidora.[10] Nesses
termos, não é possível haver competição entre distribuidoras, pois a atuação de
uma jamais poderia se estender à área de concessão de outra, em virtude da
exclusividade prevista.
37.
Entretanto, novos elementos de discussão e análise
foram trazidos pelo julgamento do AC nº 08012.006171/2010-03[11] (“AC
GBD”), que consistiu na aquisição, por parte do Grupo Petrobras, da
distribuidora de gás canalizado Gás Brasiliano Distribuidora S.A. (GBD). O
Conselheiro-Relator do caso, Olavo Chinaglia, em voto aprovado por unanimidade
pelo Tribunal do Cade, vislumbrou a possibilidade de uma interação competitiva
entre as distribuidoras na atração de grandes consumidores industriais. Em
outras palavras, no entender do ex-Conselheiro existiria uma competição
potencial entre as concessionárias que estão em localidades distintas, no
momento de convencer a potencial cliente a se instalar na sua região em vez de
se fixar na região de outra concessionária. De fato, as preocupações
concorrenciais com a integração vertical e os incentivos para discriminação de
outras distribuidoras foram graves o suficiente para impor restrições à
aprovação daquela operação.
38.
Esse tipo de competição pode ser especialmente
relevante pelo fato de que, uma vez que a cliente se instala em determinada
localidade, ela incorre em custos de troca substanciais para mudar de
fornecedora, pois a exclusividade territorial do serviço de distribuição
canalizada implica que a cliente deve deslocar geograficamente toda sua
estrutura fabril, incluindo possivelmente a base operária, contratos de
logística e fornecimento, capital físico etc., o que pode envolver, ainda,
substanciais custos afundados. Além disso, tendo em vista que esse custo de
troca pode se acentuar em função da distância geográfica, é plausível que
exista um incentivo para discriminação mesmo considerando concessionárias
concorrentes afastadas.
39.
Em virtude dessa preocupação, na ocasião do AC nº
08700.006668/2014-99[12] (“AC
Cemig-GNF”), em que se analisou a formação de joint venture entre
a Companhia Energética de Minas Gerais e a Gás Natural Internacional, SDG, S.A.
(do Grupo Gás Natural Fenosa) para a participação acionária conjunta em quatro
distribuidoras de gás canalizado, esta SG considerou oportuno fazer uma
instrução mais aprofundada quanto à possibilidade de existir alguma interação
competitiva entre as distribuidoras.
40.
Naquele processo, foram colhidas respostas a
ofícios enviados a distribuidoras, agências reguladoras e grandes consumidoras
de gás que confirmaram a existência de algumas dimensões possíveis de
competição entre as distribuidoras, a despeito da exclusividade territorial. As
principais dimensões observadas são: (i) competição pelo mercado (no momento do
chamamento ou da licitação pública); (ii) atração de consumidores industriais
(influência na decisão alocativa de indústrias consumidoras de gás através da
capacidade de ofertar preços menores ou outras condições contratuais mais
favoráveis); e (iii) por meio da regulação (entidade reguladora observa
comportamento mais eficiente de outras distribuidoras e impõe prática
semelhante às distribuidoras por ela reguladas).
41.
Dentre os principais fatores que determinam a
existência de tais interfaces de competição, podem-se citar, em resumo:
i.
Quanto à competição pela atração de grandes
consumidoras: (i) o fato de muitas indústrias analisarem a competitividade do
insumo no país como um todo, afirmando que o preço do gás está caro em todo o
território e que não existe, hoje, uma região específica no Brasil onde o preço
do gás favoreceria sua instalação ou a expansão de sua linha de produção, mas
sim que seria mais favorável escolher regiões fora do país; e (ii) o fato de
que outros elementos importantes para a decisão alocativa de empresas consumidoras
de gás não estão restritos aos limites da área de concessão (por vezes nem
mesmo a limites estaduais ou regionais).[13]
ii.
Quanto à competição pelo mercado nas licitações e
chamamentos públicos, cada estado tem liberdade para estabelecer os critérios
exigidos às licitantes, mas esses critérios não discriminam as empresas por
região do país. De fato, é comum a constituição de Sociedade de Propósito
Específico para disputar as licitações, o que a princípio pode ser feito por
qualquer agente nacional ou internacional. As exigências costumam ser associadas
à experiência técnica e capacidade financeira.
iii.
Quanto à competição por meio do modelo regulatório,
as agências reguladoras podem tanto selecionar entre as práticas mais
eficientes de cada distribuidora da sua área de concessão (como no estado de São
Paulo, em que há mais de uma distribuidora), caso em que a concorrência seria
estadual, quanto observar as práticas de distribuidoras em outras áreas
quaisquer do país, caso em que a concorrência seria regional ou nacional.
42.
Considerando esses indícios, a análise naquele AC
optou por trabalhar com diferentes cenários de mercado relevante geográfico.
Visto que alguns indícios adicionais colhidos no presente processo se alinharam
aos daquele AC, conforme ficará demonstrado ao longo do presente documento, o
mesmo procedimento será adotado aqui, com cenários de mercado relevante
geográfico que serão analisados em mais detalhes no tópico 2.4 adiante, em que
se analisará o poder de mercado da Representada. Antes disso, faz-se necessário
revisar os fundamentos teóricos e jurisprudenciais da ilicitude da conduta
investigada, o que será feito no tópico 2.3 a seguir.
43.
De início, cumpre observar que a discriminação de
preços ou de condições de contratação não é, necessariamente, ilícito
antitruste. Com efeito, trata-se de comportamento corriqueiro no mercado,
motivado por várias razões de ordem prática e econômica, sendo, na maioria das
vezes, conduta legítima.
44.
Isso ocorre porque é comum haver situações em que
agentes econômicos desiguais são tratados de maneira desigual. Como exemplo,
cita-se a prática de descontos por volume consumido ou para determinado perfil
de consumidores (como os descontos para entradas de cinema para estudantes e
idosos).[14] Da
mesma forma, a discriminação de preços ou condições de contratação em razão de
níveis muito díspares de consumo pode resultar de economias de escala,
ocasionando ganhos de eficiência com a cobrança de preços menores de
consumidores que contratam volumes maiores. Outro exemplo ocorre quando o custo
marginal de fornecimento de um serviço aumenta significativamente em certos
intervalos de tempo, como em períodos de pico, fazendo com que a cobrança de
preços diferenciados constitua prática eficiente.[15]
45.
A discriminação de preços ou de condições de
contratação pode ser ilícito concorrencial quando a fornecedora utiliza seu
poder de mercado para fixar preços diferentes para o mesmo produto ou serviço,
discriminando-os entre clientes, de forma a prejudicar a livre concorrência.[16] Conforme
voto do Conselheiro-Relator Carlos Ragazzo no Processo Administrativo nº
08012.001099/1999-71[17]:
A discriminação de
preços pode ser caracterizada como a venda de um mesmo produto a diferentes
clientes sob diferentes condições sem justificativa para tanto. Em termos
econômicos, poderia ser caracterizado como a capacidade de um agente em extrair
o máximo da disposição de pagamento de seus diferentes consumidores por um
determinado bem.
46.
Assim, há de se atentar para diversas questões
relevantes quando da delimitação da discriminação de preços, como (i) a
contemporaneidade das diversas vendas, (ii) a similaridade dos produtos e
serviços, (iii) a categoria de compradores, (iv) a localização geográfica do
comprador, (v) a quantidade adquirida e (vi) outros fatores justificadores de
diferenciação de preços.[18]
47.
Para que a discriminação de preços ou de condições
contratuais se configure ilícito antitruste, é necessário que: (i) o agente
econômico discriminador possua posição dominante no mercado relevante de
origem; (ii) haja prejuízo, ainda que potencial, à livre concorrência; e, (iii)
não existam justificativas objetivas para a prática que demonstrem
racionalidade econômica legítima na conduta. Passa-se à apuração de indícios
com relação a esses três pontos (respectivamente, seções 2.4, 2.5 e 2.6)
48.
Na seção 2.2 acima, definiu-se como dimensão
produto os mercados de transporte e distribuição de gás natural. Colocou-se,
ainda, que a existência de produtos relativamente substitutos ao gás natural
impõe a necessidade de levar em consideração as implicações concorrenciais não
somente da participação da Representada em gás natural, mas também nos mercados
de óleo combustível e GLP.
49.
Na presente seção, cumpre averiguar se a
Representada possui participação relevante nesses mercados e, em caso
afirmativo, se há incentivo para que ela exerça poder de mercado no sentido de
adotar a conduta ora investigada. Em síntese, o objetivo da análise de poder de
mercado é averiguar se a Petrobras tem poder suficiente nos mercados aqui
considerados para que lhe seja desejável prejudicar a Comgás e beneficiar suas
empresas integradas.
50.
Quanto ao mercado de transporte de gás natural, em
sua dimensão geográfica nacional tal como adotada na seção 2.2 acima, a
Petrobras é praticamente monopolista, controlando todos os trechos da malha
integrada brasileira.[19] Em
reunião do dia 27 de outubro de 2014, representante da Associação Técnica
Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (“Abividro”) afirmou que,
apesar de haver outras produtoras de gás natural no país e no exterior, nenhuma
delas se coloca como ofertante no mercado, pois apenas a Petrobras detém os
dutos de escoamento, as refinarias e os dutos de transporte, colocando-se como
o único agente que negocia com as distribuidoras de fato. Isso atesta o poder
de mercado da Representada no segmento de transporte. Considerando as
características de rede e infraestrutura desse mercado, com baixa flexibilidade
entre os elos da cadeia e altos custos afundados e economias de escala,
evidencia-se, ainda, o poder de barganha da Representada frente às
distribuidoras locais.
51.
Se, por um lado, a posição dominante da
Representada no mercado a montante é inequívoca, por outro, tal constatação não
é por si só suficiente para demonstrar a existência de incentivos à
discriminação anticompetitiva. Como transportadora, a Petrobras não compete, em
princípio, com as distribuidoras locais, pois mantém com elas uma relação
vertical. Caso a Petrobras não detenha participação relevante nos mercados em
que efetivamente há concorrência com a Comgás, não é possível evidenciar poder
de mercado ou incentivos para a prática investigada. Assim, faz-se necessário
investigar, em primeiro lugar, com quem as distribuidoras a jusante competem,
para poder então mensurar a participação da Representada nas concorrentes da
Comgás.
52.
Conforme colocado na seção 2.2, no mercado de
distribuição, a concessionária local pode competir:
i.
Com empresas que comercializam energéticos
substitutos;
ii.
Com outras empresas que distribuem gás natural.
53.
Os energéticos substitutos podem
variar em grau de substitutibilidade, conforme a atividade econômica
considerada, sendo os principais deles o óleo combustível e o GLP. Conforme
colocado na seção 2.2 acima, apurou-se que a Petrobras detém forte participação
no mercado de óleo combustível e participação no mercado de gás liquefeito de
petróleo.[20]
54.
Além disso, conforme será detalhado na seção
2.6.2.1 abaixo, a justificativa dada pela Representada para a prática de
descontos ora investigada é a manutenção da competitividade do gás natural em
relação ao óleo combustível. Nesse contexto, existe o incentivo para que a
Petrobras deixe de conceder descontos às concessionárias não integradas de gás,
sabendo que isso pode prejudicá-las frente ao óleo combustível, mercado em que
a Petrobras também detém forte participação, dessa forma protegendo apenas as
concessionárias integradas.
55.
Assim, considerando-se somente a dimensão de
competição entre o gás natural e combustíveis substitutos, a SG entende que
existe incentivo para que a Representada adote tratamento discriminatório de
modo a exercitar seu poder de mercado para favorecer suas operações nos
mercados de combustíveis substitutos em detrimento da Representante.
56.
Já na interação entre a concessionária
local de gás canalizado e outras empresas de gás natural, é possível haver
pelo menos duas interfaces de competição: (i) entre a concessionária local e
uma distribuidora de gás a granel[21] e
(ii) entre a concessionária local e uma concessionária de outra região.[22]
57.
A Petrobras possui participação no mercado de
distribuição de gás a granel via GNL por meio da empresa GásLocal, no âmbito do
Consórcio Gemini. A planta da GásLocal se localiza em Paulínia, SP, município
da área de concessão da Comgás. Visto que o raio de atuação típico do GNL
terrestre no Brasil é 1000 km, a GásLocal tem capacidade para atuar em todo o
território do estado de SP e, portanto, em toda a área de concessão da Comgás.
Ressalta-se que a possibilidade de haver tratamento discriminatório
anticompetitivo no fornecimento de gás natural em favor do Consórcio Gemini e
em detrimento da Comgás é objeto de processo específico no Cade (PA nº
08012.011881/2007-41) e não constitui objeto do presente processo. Não
obstante, serve a reforçar o incentivo à discriminação que a Petrobras possui
no fornecimento de gás natural a distribuidoras não integradas.
58.
Apesar dos incentivos à discriminação até agora
relatados, é certo que o foco da presente investigação reside nos incentivos
para discriminação entre a concessionária local (Comgás) e concessionárias de
outras regiões. Conforme foi colocado na seção 2.2, o Cade recentemente passou
a admitir a possibilidade de competição entre concessionárias de regiões
diferentes. Nesse sentido, considerando a posição dominante da Petrobras no
mercado a montante (transporte) e a jusante (distribuição), os principais
incentivos para discriminação anticompetitiva estão direcionados ao
favorecimento de concessionárias integradas nas dimensões competitivas
mencionadas na seção 2.2 acima (atração de novas consumidoras, licitações
públicas e modelo regulatório). Em especial, considerando que uma vez instaladas
as clientes enfrentam custos substanciais para trocar de concessionária, pois
isso envolve o deslocamento geográfico da estrutura de produção, não se
descarta que a competição pela atração de novas clientes forneça os incentivos
mais pronunciados para eventual discriminação. Ademais, tendo em vista que esse
custo de troca aumenta em função da distância entre as concessionárias, o
incentivo pode persistir mesmo para concessionárias concorrentes que se
localizam em áreas afastadas uma em relação à outra.
59.
Apesar da concretude de indícios que apontam para a
existência de tais incentivos, ainda não há definição geográfica sedimentada na
jurisprudência do Cade quanto à competição entre concessionárias. Por esse
motivo, optou-se por seguir aqui os mesmos cenários trabalhados no mencionado
AC GBD, adicionando-se o cenário estadual. Tais cenários estão relacionados
abaixo:
i.
Cenário local: abrange apenas a área de concessão
definida pelo ente estadual outorgante, território em que a distribuidora detém
monopólio sobre a operação dos dutos de distribuição. Trata-se do cenário
tradicionalmente utilizado pelo Cade até o julgamento do AC nº
08012.006171/2010-03. No caso, o território em questão é a área de concessão da
Comgás;
ii.
Cenário estadual: o cenário estadual não foi analisado
no AC Cemig-GNF porque aquela operação era relativa à distribuidora de Minas
Gerais, estado que possui apenas uma área de concessão abrangendo todo seu
território. Entretanto, no estado de São Paulo existem três áreas de concessão,
cada uma explorada por um grupo diferente (v. figura 1 abaixo). No presente
processo, há dois indícios que apontam para a necessidade de análise do cenário
estadual: a concorrência entre práticas a serem mimetizadas por força da
regulação[23] e
o fato de as áreas serem contíguas, com significativa integração logística e
proximidade dos mesmos mercados consumidores e insumos necessários a algumas
indústrias (ex.: argila, necessária à indústria cerâmica). A Comgás alega,
ainda, que haveria clientes estudando a possibilidade de migrar ou de expandir
para áreas limítrofes dentro de SP, pertencentes à GBD, caso a diferença de
preços entre as regiões fosse mantida por mais tempo (fls. 402/403 do apartado
de acesso restrito ao Cade e à Comgás);
iii.
Cenário regional: em confluência com a análise do
cenário estadual, é possível supor, em tese, que algumas variáveis importantes
na decisão alocativa das indústrias estariam presentes em áreas de concessão
próximas ou contíguas, tais como infraestrutura logística, proximidade da
matéria-prima e/ou do mercado consumidor, entre outros, em linha com alguns dos
indícios apresentados para o cenário estadual. Assim, por precaução, será
considerado aqui o cenário regional, definido como a Região Sudeste. Em termos
percentuais, tem-se a seguinte estrutura de mercado;
iv.
Cenário nacional: a competição pela atração de grandes
consumidoras industriais pode não estar adstrita somente a uma lógica estadual
ou regional, mas também nacional. Nesse sentido, algumas das principais
indústrias consumidoras de gás natural dependem de recursos naturais e outros
fatores importantes para sua decisão alocativa que estão presentes em
diferentes regiões do Brasil.[24] Ainda,
tendo em vista o porte das empresas do setor analisado, é plausível supor que a
competição pelo mercado para licitações de concessão se dê em dimensão
nacional.
Figura
1 – Áreas de concessão de distribuição de gás natural canalizado no Estado de
São Paulo
Fonte:
Secretaria de Energia do Estado de São Paulo.
60.
Passa-se à análise da estrutura de mercado em cada
cenário para avaliação de poder de mercado da Representada.
61.
Considerando que a concessionária tem exclusividade
legal de prestação de serviços de gás canalizado em determinado território, uma
concessionária não pode atuar na área geográfica da outra. Portanto, a Comgás
detém 100% de participação de mercado em distribuição de gás natural canalizado
no cenário local. Decorre que a Petrobras não possui participação
em gás natural canalizado nesse cenário e, portanto, não existe incentivo ou
possibilidade para discriminação entre concessionárias. Ressalta-se, no entanto,
que continuam existindo os incentivos para discriminação advindos da
participação da Petrobras em GNL e combustíveis substitutos, o que é
especialmente relevante quando se leva em consideração as justificativas da
Representada para a conduta investigada, de competitividade perante o óleo
combustível, e sua elevada participação nesse mercado, conforme já mencionado
na presente seção.
62.
A partir exclusivamente do cenário local, seria
possível argumentar que a ausência de poder de mercado na distribuição canalizada
e a presença apenas de incentivos relacionados a produtos relativamente
substitutos não prestariam robustez suficiente de indícios para a instauração
de processo administrativo. Ainda que se entenda dessa forma, é necessário
considerar que o cenário local não oferece uma compreensão satisfatória do
mercado de distribuição de gás canalizado, conforme restou claramente
consignado nos precedentes mais recentes do Cade apresentados na seção 2.2 da
presente nota técnica. Portanto, o fato de a análise tradicional não detectar
participação da Representada em gás canalizado no cenário local não é
suficiente para atestar a ausência de possibilidade de exercício de poder de
mercado. A existência de competição entre concessionárias implica que os
indícios relativos aos cenários ampliados (estadual, regional e nacional) são
no mínimo tão relevantes quanto, senão mais, para a investigação desse aspecto.
63.
A tabela abaixo traz a estrutura de mercado em
volume de gás vendido, considerando janeiro a julho de 2014, dos três cenários
ampliados: [25]; [26]; [27]; [28]
Tabela
2 – Participação no mercado de distribuição de gás natural canalizado em volume
vendido para cenários estadual, regional e nacional (jan. a jul. 2014)
Cenário estadual
|
Cenário regional
|
Cenário nacional
|
|||
Comgás
|
88,2%
|
Comgás
|
30,6%
|
Comgás
|
19,3%
|
Sistema Petrobras (GBD)
|
4,6%
|
Sistema Petrobras (GBD, Gasmig, BR e CEG-Rio)
|
38,1%
|
Sistema Petrobras (todas as demais)
|
56,5%
|
Grupo Gás Natural Fenosa (SPS)
|
7,2%
|
Grupo Gás Natural Fenosa (SPS, CEG)
|
31,4%
|
Grupo Gás Natural Fenosa (SPS, CEG)
|
19,8%
|
-
|
-
|
-
|
-
|
Cigás
|
4,4%
|
-
|
-
|
-
|
-
|
MTGás
|
0,0%
|
Total
|
100%
|
Total
|
100%
|
Total
|
100%
|
Fonte:
Abegás.
64.
Observa-se, de início, que quanto mais ampliado é o
cenário, maior é a participação de mercado da Representada. Os cenários
regional e nacional não deixam dúvidas quanto à
presença de incentivos à discriminação anticompetitiva, sendo que a Petrobras
teve participação de, respectivamente, 38,1% e 56,5% do volume total vendido.
Cumpre lembrar que a Petrobras detém participação relevante em todas as distribuidoras
de gás em operação do país, à exceção das distribuidoras MTGás (MT), Cigás
(AM), SPS (região sul de SP), CEG (interior do RJ), Comgás e, desde o final de
2014, Gasmig (MG). A SG entende, portanto, que para esses dois cenários existem
indícios robustos e conclusivos a denotar o risco de exercício abusivo efetivo
da posição dominante da Representada no sentido de praticar a conduta
investigada.
65.
Quanto ao cenário estadual, observa-se
que a Representada deteve participação reduzida em volume vendido (4,6%), sendo
o menor player do território. Tal fato, isoladamente,
constitui indício de que não haveria incentivo ou possibilidade de a
Representada exercer poder de mercado no sentido de praticar a discriminação
anticompetitiva ora investigada.
66.
É necessário considerar, porém, que a Comgás se
localiza em região cujo mercado de gás canalizado encontra-se em estágio maduro
de desenvolvimento. De fato, é a região com maior concentração de indústrias do
país, abrangendo as regiões metropolitanas de São Paulo (capital), Campinas e
Baixada Santista (v. figura 1 acima). A rede local se encontra bem desenvolvida
em termos de extensão e de clientes captados. Por seu turno, a GBD se situa no
interior (noroeste) do estado e detém outorga sobre território em estágio ainda
inicial de desenvolvimento, sendo praticamente um empreendimento greenfield quando
do início da concessão.
67.
As tabelas a seguir evidenciam a evolução do
cenário estadual em volume de gás vendido e em extensão de rede. Note-se que as
participações em volume permaneceram relativamente estáveis não obstante o fato
de a Comgás ter investido muito mais em extensão de rede. Isso significa que a
GBD consegue manter sua participação de mercado mesmo fazendo bem menos
investimento que a Comgás, o que denota um mercado em estágio mais inicial e
com maior potencial de crescimento.
Tabela
3 – Cenário estadual: evolução da participação de mercado em volume vendido
(jan. 2010 a jul. 2014)
Concessionária
|
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
2014*
|
Comgás
|
86,5%
|
85,7%
|
86,9%
|
87,3%
|
88,2%
|
Sistema Petrobras (GBD)
|
4,2%
|
5,0%
|
5,0%
|
4,9%
|
4,6%
|
Grupo Gás Natural Fenosa (SPS)
|
9,4%
|
9,3%
|
8,2%
|
7,7%
|
7,2%
|
Total
|
100%
|
100%
|
100%
|
100%
|
100%
|
*
Até julho.
Fonte:
Abegás.
Tabela
4 – Cenário estadual: evolução da participação de mercado em extensão de rede
(2010-2014)
Concessionária
|
dez/10
|
dez/11
|
dez/12
|
dez/13
|
jun/14
|
Comgás
|
77,4%
|
79,1%
|
80,9%
|
82,9%
|
83,8%
|
Sistema Petrobras (GBD)
|
7,7%
|
7,6%
|
7,3%
|
6,5%
|
6,3%
|
Grupo Gás Natural Fenosa (SPS)
|
14,9%
|
13,3%
|
11,9%
|
10,5%
|
10,0%
|
Total
|
100%
|
100%
|
100%
|
100%
|
100%
|
Fonte:
Abegás.
68.
Isso indica que os dados referentes à participação
atual, considerados isoladamente, podem deixar de revelar a presença de
incentivos à discriminação caso seja analisado um cenário dinâmico. A SG
entende plausível supor que capacidade de crescimento da empresa GBD, que
poderia chegar a participações de mercado bem maiores com pouco investimento
relativamente à Comgás, tem o condão de reforçar os incentivos à discriminação.
69.
Lembre-se que a Petrobras detém monopólio no
mercado a montante assim como em combustíveis substitutos, o que implica
incentivos já mencionados causados pela interação competitiva entre gás natural
e combustíveis substitutos e entre gás canalizado e GNL. No conjunto,
considerando todos os fatores até agora aludidos, a SG entende, em postura
conservadora, que não se pode descartar a possibilidade de haver incentivos
suficientes no cenário estadual para a discriminação investigada, muito embora
os incentivos nesse sentido sejam menos evidentes que nos cenários regional e
nacional.
70.
A presente seção avaliou se a Representada detém
poder suficiente nos mercados a jusante (combustíveis substitutos, gás natural
canalizado e GNL) para ter incentivos a prejudicar a Comgás e beneficiar suas
próprias operações integradas. A partir da análise, concluiu-se inicialmente
que existem incentivos nesse sentido quanto à presença da Representada nos
mercados de GNL, GLP e, sobretudo, de óleo combustível, produto cuja competição
com o gás natural é utilizada como justificativa para a conduta investigada,
conforme se verá na seção 2.6.2.1. Concluiu-se, ainda, que tais incentivos são
os únicos presentes quando se analisa o cenário local de competição, em que a
Petrobras não possui participação em gás canalizado, fato que pode indicar a
ausência de incentivos suficientes para ensejar a prática anticoncorrencial.
Entretanto, outros incentivos também estão presentes nos cenários ampliados.
Nos cenários regional e nacional, existe claro incentivo à discriminação
anticompetitiva decorrente da alta participação da Representada nesse mercado
(38,1% e 56,5%, respectivamente). Por fim, no cenário estadual, apesar de a
Representada possuir pequena participação em distribuição canalizada (4,6%),
observou-se que o potencial de crescimento da Petrobras é grande relativamente
à Comgás, o que, em conjunto com sua participação em GNL e outros combustíveis,
pode implicar incentivo suficiente para a prática da conduta investigada.
71.
O preço final praticado pelas distribuidoras
costuma ser um só para cada uma das diferentes faixas de clientes.[29] Esse
preço é fixado pela regulação estadual e seus valores e componentes podem
variar conforme a unidade da federação. Não obstante, a fórmula geral para o
cálculo é o preço do gás adicionado à margem de
distribuição.
72.
O preço do gás é a parcela que reverte à
fornecedora — no caso, a Petrobras, que é monopolista no mercado a montante de
transporte de gás. É composto pelo preço da molécula de gás adicionado ao custo
do transporte.
73.
Já a margem de distribuição é aquela que reverte à
distribuidora e que está sujeita à regulação estadual. Por vezes, a regulação
estadual impõe um regime de tarifas teto (price cap), o que limita o
repasse ao consumidor do custo do gás adquirido através do estabelecimento de
uma tarifa máxima de venda do gás. Assim, se o gás adquirido por uma
distribuidora é caro demais, sua margem de distribuição poderá ser menor caso o
preço final ultrapasse o teto. Sem o regime de price cap, o preço
cheio é repassado diretamente à clientela final.
74.
As observações da seção 2.2.2 acerca das interações
competitivas possíveis entre distribuidoras implicam que alterações nos preços
de aquisição do gás podem modificar a dinâmica competitiva ao influenciar a
decisão alocativa de novas indústrias e/ou prejudicar a atuação das
distribuidoras e sua capacidade de competir em investimentos e em licitações.
Na ausência de regime de price cap, ou na hipótese de o preço
praticado pelas distribuidoras estar abaixo do teto regulatório, a discriminação
afeta diretamente a atração de novas consumidoras ao estabelecer, por meio do
repasse do custo do gás, preços distintos à clientela final entre as diferentes
regiões de concessão. Na presença de regime de price cap, caso o
preço esteja no limite ou além do teto, o desempenho financeiro da
distribuidora pode ser prejudicado por meio de compressão de margem, o que
distorce sua capacidade de investimento em rede, de contratação de volume
adicional de fornecimento de gás ou até mesmo de participar em novas licitações
de distribuição de gás canalizado, além de poder interferir na qualidade de seu
serviço. Portanto, a distribuidora que recebe o gás mais caro fica em
desvantagem perante as outras com ou sem o regime de price cap.
75.
Especificamente para o estado de São Paulo, a
ARSESP relata que a própria divisão do território paulista entre três
concessionárias diferentes – e não apenas uma, como em todas as outras unidades
da federação, à exceção do Rio de Janeiro – foi pensada para viabilizar a
competição entre as diferentes concessionárias. In verbis:
[...] embora os
serviços de distribuição apresentem características de monopólio natural, ao
criar três áreas de concessão, controladas por empresas distintas, permitiu-se
ao menos aos grandes consumidores, como indústrias e termelétricas, a opção de
eleger seu prestador do serviço.
Dessa forma uma nova
indústria, ao decidir sobre a localização de instalação de sua planta, poderá
também considerar as condições, o preço e a qualidade dos serviços oferecidos
pelas empresas concessionárias.
Além disso, do ponto
de vista do Estado, a distribuição das concessões em três áreas distintas
facilita também a regulação da prestação dos serviços por comparação de
desempenho entre as diferentes concessionárias. (fl. 568)
76.
Dessa forma, a criação artificial de vantagem
competitiva relativa favorecendo empresas integradas poderia ocasionar
distorções também na lógica competitiva estadual.
77.
Além disso, foi possível colher indícios de
prejuízo ao mercado consumidor. Inicialmente, constata-se que o contrato pelo
qual o Estado de São Paulo outorga concessão à Comgás (fls. 61 e ss.)
estabelece que a tarifa do gás a ser cobrada pela Comgás é obtida através da
soma entre o preço de aquisição do gás (dado pela Petrobras) e a margem de distribuição
regulada (revertida à Comgás). Ou seja, o preço de aquisição do gás é repassado
diretamente à clientela final (“passthrough”) por força de regulação.
Desse modo, um preço mais caro do insumo para a Comgás, em seu mix,
por meio de descontos apenas no contrato NPP, resulta automaticamente em preço
final mais caro para a base de clientes, o que poderia, em tese, trazer dano a
grande parte dos segmentos do mercado consumidor (industrial, residencial,
comercial, gás natural veicular).
78.
Ademais, foram trazidos aos autos indícios de dano
especificamente ao segmento industrial a partir de comunicações expedidas por
associações de empresas que utilizam o gás natural da Comgás como insumo (fls.
402 e 403 do apartado de acesso restrito ao Cade e à Comgás). Os trechos a
seguir ilustram as preocupações dessas empresas, corroboradas por representante
da Abividro em reunião com esta SG de 27/10/2014 (fl. 811), endereçadas
diretamente à Comgás:
Nossas associadas
localizadas no estado de São Paulo estão sentindo dificuldades, tendo impactos
em sua produção, por conta de o gás natural vendido pela COMGAS ter seu custo
de gás superior àqueles praticados pela Gás Brasiliano Distribuidora (GBD) e,
em outros lugares do país.
Através de
informações do mercado verificamos que a GBD tem realmente um custo de gás
menor do que o da COMGAS. Como é de seu conhecimento, o insumo gás é totalmente
relevante para a produção de [ACESSO RESTRITO CADE E COMGÁS] e
essa situação nos traz uma série de impactos como: perda de competitividade,
paralisação das atividades industriais, aumento do preço do produto, redução de
produção, dentre outros tantos. (fl. 402, apartado de acesso restrito Cade e
Comgás, relatado pela [ACESSO RESTRITO CADE E COMGÁS])
Constatamos que as
diferenças no custo do gás nas diversas regiões do país, em especial na região
da COMGÁS (onde se localizam cerca de 65% dos produtores de [ACESSO
RESTRITO CADE E COMGÁS]), se comparada ao da GBD, ocasiona os seguintes
malefícios para o setor:
(i) Perda de
competitividade do [ACESSO RESTRITO CADE E COMGÁS] brasileiro,
se comparado ao seu similar importado;
(ii) Perda de
competitividade entre indústrias [ACESSO RESTRITO CADE E COMGÁS] de
acordo com a localização geográfica da planta (e o seu respectivo custo de
gás);
(iii) Diminuição do
volume de gás natural consumido, em face da concorrência com outras indústrias
de [ACESSO RESTRITO CADE E COMGÁS] situadas em regiões ou
países em que o custo de gás é menor;
(iii) Diminuição do
volume de gás natural consumido em face da transferência da produção para
outra(s) planta(s) em outras regiões nas quais o nível do custo de gás é menor
(fl. 403, ibid., relatado pelo [ACESSO RESTRITO CADE E COMGÁS]).
79.
Com efeito, o dano à indústria decorrente da
diferença NPP com desconto vs. TCQ parece ter sido suficiente para mobilizar o
governo de São Paulo, conforme se depreende de notícia veiculada peloValor
Econômico em 21/02/2014:
O governo paulista
parece não ter conseguido sensibilizar a presidente da Petrobras, Graça Foster,
a mexer nos preços do gás. Segundo o secretário de Energia do Estado de São
Paulo, José Aníbal, a petrolífera informou que não vai mudar, por enquanto, a
fórmula para calcular o custo do insumo que é fornecido às empresas instaladas
no Estado de São Paulo. Aníbal e o governador do Estado de São Paulo, Geraldo
Alckmin, haviam pedido que o cálculo fosse revisto em um encontro com Graça
Foster, há cerca de sete meses.
Mas, segundo Aníbal,
a executiva respondeu, em janeiro, que não poderia atender à solicitação neste
momento. As indústrias do Estado de São Paulo, assim como as instaladas na
região Sul do país, são abastecidas em parte com gás natural vindo da Bolívia, cujo
preço está atrelado ao dólar. Esse mix, entre gás boliviano e nacional, torna o
produto mais caro que do que o gás fornecido pela Petrobras para outros Estados
- do Rio de Janeiro para cima.
O governo paulista
reivindica que os preços do insumo sejam unificados em todo território
nacional, o que permitiria reduzir os custos em São Paulo, mas, em compensação,
elevaria os preços em outros Estados. Anibal afirma que a defasagem - a
diferença entre os preços pagos pelas empresas em São Paulo e em outros locais
do país -, já estaria em torno de 15%.[30]
80.
No mesmo sentido dos indícios acima, a ARSESP
coloca que “os usuários de gás canalizado, das demais áreas de concessão do
Estado de São Paulo, [...] seriam os maiores prejudicados, caso houvesse a
prática, pela GASPETRO, ou qualquer empresa do seu grupo econômico, de
oferecimento de condições diferenciadas para GBD, em detrimento das outras duas
concessionárias.” (fl. 261 do apartado de acesso restrito ao Cade e à
Petrobras)
81.
A partir do exposto, conclui-se que há indícios
robustos de que a alegada conduta ora investigada tem o potencial de causar
prejuízo à concorrência.
82.
Conforme já exposto, a SG entende que existem nos
autos indícios robustos do ilícito concorrencial narrado pela denúncia que deu
origem ao presente feito e suficientes para ensejar a instauração de Processo
Administrativo para Imposição de Sanções Administrativas por Infrações à Ordem
Econômica. A presente seção traz o que foi apurado em fase de inquérito
administrativo acerca da possível existência da conduta e de seu caráter
potencialmente anticompetitivo. O tópico 2.6.1 a seguir detalha a existência,
natureza e extensão da discriminação de preços. O tópico 2.6.2 adiante traz uma
exposição das justificativas apresentadas pela Representada para a prática, com
a respectiva análise desta SG a respeito de sua legitimidade econômica e
concorrencial. Posteriormente, o tópico 2.6.3 relata indícios qualitativos
adicionais trazidos pelo Departamento de Estudos Econômicos do Cade (DEE) em
seu acompanhamento da decisão deste Conselho no AC GBD e pela ARSESP em
procedimento próprio.
83.
O argumento central trazido pela Representante para
a existência de discriminação anticompetitiva é o fato de não haver nenhuma
contrapartida, nos contratos TCQ, dos descontos concedidos a partir de abril de
2011 aos contratos da NPP. Visto que algumas distribuidoras atualmente
contratam gás canalizado apenas sob os contratos NPP, a Comgás entende que os
descontos oferecidos a concorrentes, e não oferecidos a ela, a prejudicam, na
medida em que seu mix, composto por NPP + TCQ, fica mais caro em
comparação ao valor pago pelas outras distribuidoras. Em especial, a Comgás se
preocupa com o preço mais barato em decorrência de tais descontos que estaria
sendo oferecido à concessionária GBD, que, além de possuir apenas contratos
NPP, está localizada em área de concessão contígua e é detida integralmente
pela Petrobras. A Representada afirma, ainda, que os descontos do NPP não são
previstos contratualmente, mas, sim, são efetuados na fatura, sendo a sua
concessão uma decisão unilateral da Petrobras.
84.
Cumpre esclarecer que a Comgás não se
insurge contra o fato de ter contrato TCQ com a Petrobras, enquanto outras
concessionárias têm somente contrato NPP. O objeto da reclamação da
Comgás é o desconto extra, fora do contrato, dado pela Petrobras somente nos
contratos NPP, sem contrapartida nos contratos TCQ.
85.
A existência da política de descontos executada
pela Petrobras exclusivamente nos contratos NPP é fato público e notório que
foi confirmado por diversas vezes pela própria Representada nos autos do
presente processo.
86.
A Representante apresentou gráfico demonstrando a
diferença mensal de preços entre os contratos TCQ e NPP com desconto para o
período de dezembro de 2012 a janeiro de 2014, sendo que, para este último mês,
o DEE estimou que a diferença entre os dois contratos foi de 22%.[31] No
entanto, deve-se levar em consideração que a Comgás possui um mix composto
em (ACESSO RESTRITO CADE E COMGÁS) de TCQ e (ACESSO
RESTRITO CADE E COMGÁS) de NPP. Ao ponderar a discriminação pelo mix das
concessionárias Comgás e GBD (100% NPP), a ARSESP encontrou diferença média de
10,75% para o período de dezembro de 2012 a abril de 2014 (fl. 570).
87.
A despeito de reconhecer a existência dos
descontos, a Petrobras alega que eles são conferidos de maneira isonômica para
todas as distribuidoras que possuem o NPP, em todo o volume de gás fornecido
sob essa modalidade contratual e com o mesmo critério de cálculo. Para
comprovar suas alegações, a Representada juntou aos autos (fls. 315-316 do
apartado de acesso restrito ao Cade e à Petrobras) memória de cálculo das
deduções concedidas e cópia de várias comunicações de descontos feitas a
diferentes distribuidoras (fls. 36-123, ibid.). Efetivamente,
corroborando o que foi afirmado pela Petrobras nesse aspecto, não há denúncias
de que o método de cálculo dos descontos seja discriminatório e, tampouco,
foram apurados indícios nesse sentido durante o inquérito.
88.
Entretanto, a isonomia na aplicação do desconto não
garante a ausência de discriminação entre distribuidoras diferentes, pois
somente aquelas que possuem contrato NPP seriam beneficiadas em detrimento das
que se utilizam de contratos TCQ, ou mesmo das que possuem um mix de
gás TCQ e NPP, como a Comgás. Dessa forma, o que determina se há
discriminação entre distribuidoras é a existência de descontos exclusivamente
nos contratos NPP, ocasionando diferença no preço final entre distribuidoras
que possuem porcentagens diferentes de NPP em seu mix. Portanto, no
presente caso, cumpre averiguar as justificativas para a existência de
descontos não previstos contratualmente no NPP e a ausência de descontos nos
contratos TCQ. Ainda, visto que os contratos de gás possuem várias
condições diferentes, não se pode descartar a possibilidade de haver diferenças
concorrencialmente relevantes em outras condições contratuais que não o preço.[32]
89.
Pela análise contida na seção 2.3 acima, que expôs
as condições para observação da conduta investigada, a simples existência de
discriminação não constitui, por si só, ilícito antitruste. Para tanto, é
necessário observar a presença de poder de mercado do agente que pratica a
discriminação, o potencial lesivo da conduta e a legitimidade das
justificativas para ela oferecidas. O poder de mercado da Representada já foi
analisado na seção 2.4, enquanto o potencial lesivo da conduta foi constatado
na seção 2.5. Passa-se agora à análise das justificativas da conduta tal como
oferecidas pela Representada (tópico 2.6.2).
90.
Ao ser indagada sobre a motivação da concessão de
descontos no NPP, a Petrobras afirmou que eles começaram a ser concedidos com o
intuito de manter a competitividade do gás natural frente a outros energéticos
frequentemente utilizados como substitutos, em especial o óleo combustível.[33] Justamente
por isso, a política de descontos foi iniciada em abril de 2011, quatro anos
depois do início da NPP (2007), quando o gás natural começou a perder
competitividade para o óleo combustível.[34] Assim, a
política de descontos teria surgido com a finalidade de manter a
competitividade do gás natural, representando uma decisão unilateral e
temporária da Representada, completamente desvinculada de qualquer cláusula
contratual, podendo ser renovada trimestralmente. A partir disso, listam-se
abaixo as principais características dos descontos, segundo a Petrobras:
i.
Têm como propósito a manutenção da competitividade
do gás natural;
ii.
São temporários, podendo ou não ser renovados a
cada três meses;
iii.
São concedidos apenas nos contratos NPP;
iv.
São isonômicos para todo o volume contratado em NPP
e calculados a partir da mesma porcentagem (ACESSO RESTRITO AO CADE E À
PETROBRAS) para cada distribuidora;
v.
São fruto de decisão unilateral da Petrobras e
estão desvinculados da NPP, não possuindo nenhuma previsão contratual e sendo
efetuados na fatura do gás vendido. As distribuidoras são apenas informadas dos
descontos que estão recebendo a cada trimestre.
91.
Note-se que a Representada defende que os descontos
seriam temporários e não poderiam ser classificados como política de preços. A
SG entende que essa linha argumentativa não procede, pois uma prática de
concessão de descontos com o alegado objetivo de manter a competitividade de um
produto estendida por um período de tempo tão longo – mais precisamente, por
quase quatro anos, de 2011 até o presente momento – deve ser efetivamente compreendida
em termos econômicos como uma política de preços. Ainda que assim não fosse,
porém, eventual prática de descontos discriminatórios por mais de 4 anos é
suficiente para surtir preocupações concorrenciais.
92.
Indagou-se à Petrobras o motivo de os descontos não
terem sido concedidos em outras modalidades contratuais, sobretudo nos
contratos TCQ, o que, basicamente, constitui o foco da presente investigação. A
Representada respondeu que o método de cálculo do preço do TCQ não é flexível,
de modo que não seria possível abaixar o preço desse contrato sem incorrer em
prejuízo, devido ao fato desse tipo de contrato possuir característica de mero
repasse de custo do gás adquirido junto à produtora, adicionado ao custo do
transporte, sendo o preço contratualmente vinculado à origem do gás (Bolívia).
Tal modelo de negócios seria fundamentalmente distinto dos contratos NPP, em
que a empresa vende uma cesta indefinida de gás proveniente de diversas origens
(boliviano, brasileiro, GNL importado), precificado por meio de uma fórmula
contratual mais flexível com a aplicação de política postal (ver seções 2.1
supra e 2.6.2.2 infra). Dessa forma, o NPP permitiria manejar custos de forma a
comportar a aplicação de descontos; de modo contrário, a rigidez do TCQ, contratualmente
vinculado ao preço da origem, não permitiria esse espaço de manobra.[35]
93.
Como elemento adicional de justificativa da conduta
supostamente discriminatória, a Petrobras afirma que ofereceu sucessivas vezes
à Comgás a oportunidade de migrar seus contratos TCQ para os contratos NPP, de
forma a viabilizar o tratamento isonômico. Tal argumento será melhor analisado
no tópico 2.6.2.2.
94.
Assim, em síntese, a Representada fornece como
justificativas para a ausência de desconto nos contratos TCQ:
i.
O argumento de que a fórmula de precificação e o
modelo de negócios deste tipo de contrato não permitirem a concessão de
descontos sem a assunção de prejuízo, diferentemente do NPP;
ii.
O fato de que a migração ao contrato NPP teria sido
oferecida reiteradas vezes à Representante, que não aceitou as propostas.
95.
Entretanto, esta SG entende que há um
desalinhamento entre as justificativas oferecidas pela Petrobras, de um lado, e
as características da política de desconto e o histórico de negociação
contratual entre as partes, de outro. Para melhor explorar esses pontos, a
análise será segmentada e individualizada para cada uma das duas justificativas
que se acabou de listar.
2.6.2.1.
Objetivo da política de descontos, ausência de previsão contratual e características
do contrato TCQ
96.
No gráfico abaixo, juntado pela Representante à fl.
730, é possível visualizar o sucesso da política de descontos em manter a
competitividade do gás natural adquirido sob o NPP (contrato denominado
“Firme”, representado pela linha verde) frente ao óleo combustível (linha
cinza). A linha tracejada demonstra o preço do gás do contrato NPP sem
desconto, que se tornou menos competitivo que o combustível concorrente a
partir de abril de 2011. Com a política de descontos, portanto, o gás natural
fornecido pela NPP manteve a competitividade do produto frente aos demais
substitutos energéticos[36].
Entretanto, o mesmo não pode ser dito do gás fornecido pelo contrato TCQ, que a
partir de março de 2012 passou a ter sérios problemas de competitividade (linha
azul).
Gráfico
1
Fonte:
Representante, fl. 730.
97.
Segundo se apurou em reuniões com as indústrias
consumidoras, para que o gás natural se mantenha competitivo frente ao óleo
combustível, tendo em vista a eficiência energética alcançada pelos dois
produtos, é necessário que o seu preço fique alguns pontos percentuais abaixo
do concorrente, como pode se observar do gráfico acima (em que o preço do gás
com desconto é aproximadamente 85% do preço do óleo durante o primeiro ano da
política de descontos). Assim, se o gás for, por exemplo, 95% do preço do óleo,
a competitividade já não se mantém, visto que o preço ligeiramente menor não
compensa a eficiência energética dos combustíveis. Considerando que, dentro de
sua área de distribuição, uma concessionária compete primariamente com os
combustíveis alternativos ao gás natural devido ao monopólio da distribuição
canalizada, as concessionárias que possuíam o TCQ em seu mix passaram
a ser mais afetadas, o que pode ser visualizado nos gráficos a seguir:
Gráfico
2 – Comparativo de preços entre o gás natural para o segmento industrial e o
óleo combustível na Bahia
Fonte:
Ministério de Minas e Energia – Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria
de Gás Natural, nº 90 (set. 2014).
Gráfico
3 – Comparativo de preços entre o gás natural para o segmento industrial e o óleo
combustível na área de concessão da Comgás
Fonte:
Ministério de Minas e Energia – Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria
de Gás Natural, nº 90 (set. 2014).
Gráfico
4 – Comparativo de preços entre o gás natural para o segmento industrial e o óleo
combustível na área de concessão da CEG (interior do estado do Rio de Janeiro)
Fonte:
Ministério de Minas e Energia – Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria
de Gás Natural, nº 90 (set. 2014).
98.
É possível observar que, a partir de fevereiro de
2012, o preço do gás na região de concessão da Comgás perde competitividade
para o combustível concorrente, enquanto nas regiões da Bahia e do interior do
Rio de Janeiro o preço do gás mantém a competitividade em patamar estável
relativamente ao preço do energético substituto.
99.
Isso evidencia que o objetivo de dar
competitividade ao gás natural não tem tido sucesso na região de concessão da
Comgás. Assim, há uma incongruência entre o objetivo da prática
investigada (qual seja, dar competitividade ao gás natural como um todo) e o
resultado obtido para essa região. Tendo em vista que a Comgás pratica
preços regulados e possui um mix de contratos NPP e TCQ, e
tendo sido demonstrada a efetividade dos descontos do NPP no objetivo proposto,
é possível inferir que a perda de competitividade do gás na região da
Representante esteja associada aos preços do contrato TCQ, que não têm desconto.
Depreende-se que a política de descontos, que visa à competitividade do produto
gás natural, está garantindo a competitividade somente do gás vendido sob NPP,
e não do gás vendido sob TCQ. Assim, é importante que haja uma justificativa
econômica legítima para que os descontos não possam ser estendidos ao contrato
TCQ, que compõem parcela relevante domix da Comgás, sob pena de
haver discriminação de concessionárias concorrentes por parte da Representada
em favor de algumas concessionárias integradas.
100. A justificativa
oferecida pela Petrobras para não poder oferecer desconto no TCQ fundamenta-se
nas diferenças no método de cálculo do preço do gás entre os dois contratos.
Nesse tipo de contrato, o preço do gás se divide nas parcelas da molécula e de
transporte, corrigidas cada uma por um indexador de preços. A parcela da
molécula equivale ao preço vendido pela produtora boliviana, enquanto a parcela
de transporte corresponde ao custo de deslocar o gás até a distribuidora.
Conforme se adiantou na introdução da presente seção, a Petrobras alega que
esse contrato é simplesmente um instrumento de repasse de custos, no qual ela
não tem controle sobre a parcela da molécula (i.e., os riscos de fornecimento
estariam associados à empresa estrangeira) e apenas adiciona o custo de
transporte (pois é proprietária do duto de transporte), revendendo o gás às
distribuidoras. Assim, por conta da natureza desse contrato, a Representada não
teria margem para aplicar descontos.
101. De modo oposto, a NPP
foi pensada para dirimir essa separação entre preço da molécula e custo de
transporte. Nos contratos NPP, também há duas parcelas, uma referente a um
custo fixo e outra referente a um custo variável. A Petrobras utiliza essa
fórmula para fazer uma política postal, de modo a não onerar os estados que
estão mais longe da fonte produtora/importadora com custo de transporte mais
alto. Assim, a empresa administra o preço de todas as fontes de gás (boliviano,
nacional, GLP importado) e repassa de maneira equilibrada entre todos os
contratos NPP, segundo seu critério de preço.[37] Trata-se
de um modelo de negócios, em que a Petrobras assume tanto os riscos do
fornecimento quanto os do transporte. Dentro desse esquema, de acordo com a
Representada, a NPP é flexível o suficiente para permitir a aplicação dos
descontos, mas o TCQ não é.
102. Apesar da efetiva
diferença entre os modelos de precificação dos contratos, as características
(i) da política de descontos e (ii) dos gasodutos de transporte não permitem
inferir que isso seria relevante para justificar a existência de descontos
discriminatórios.
103. Quanto às
características da política de descontos, a Representada afirma reiteradamente
que o desconto não está vinculado a nenhum tipo de contrato, o que ficou
confirmado pelos contratos NPP presentes nos autos.[38] De
fato, não existe previsão contratual para a concessão dos descontos, que são
retirados na fatura e meramente informados às distribuidoras. A Petrobras,
portanto, tem toda a discricionariedade para escolher os critérios de cálculo e
de aplicação dos descontos.[39] A
incerteza a respeito da continuidade dos descontos, que são renovados a cada
três meses, bem como dos seus valores, configura assimetria de informação à
medida que a Petrobras detém toda a informação para a concessão de descontos,
confirmando a discricionariedade e a total desvinculação contratual dessa
política.
104. Na memória de cálculo
do valor dos descontos (fls. 315-316 do apartado de acesso restrito ao Cade e à
Petrobras), a Representada indica que os cálculos são feitos a partir de (ACESSO
RESTRITO CADE E REPRESENTADA). Entretanto, isso não constitui elemento de
vinculação jurídica ou mesmo econômica dos descontos ao contrato, mas antes o
método encontrado para melhor efetuar o cálculo de maneira isonômica entre as
distribuidoras, considerando o percentual de desconto desejado pela Petrobras.
O valor dos descontos continua atrelado ao objetivo de manter a competitividade
do gás, sendo a fórmula de cálculo apresentada pela Petrobras meramente um
mecanismo de implementação na NPP, que não comprova a impossibilidade de
implementação em outros contratos. Nesse contexto, dado o objetivo de
manutenção de competitividade do produto, caberia à Petrobras elaborar, assim
que o preço do contrato TCQ ultrapassou o do NPP em 2012, um método de cálculo
análogo para o TCQ de modo a adequar a política de descontos a essa modalidade
contratual, mantendo a coerência com os alegados objetivos de sua política. No
entender da SG, a constatação de que a Petrobras não procedeu a essa adaptação,
aliada ao fato de que a concessão de desconto é discricionária e desvinculada do
instrumento contratual, constitui forte indício de que a aplicação de descontos
apenas aos contratos NPP constitui prática discriminatória anticompetitiva, que
beneficia em especial as concessionárias vinculadas à própria Petrobras e
prejudica concessionárias concorrentes (Comgás).
105. Quanto às
características dos gasodutos de transporte, ambas a Comgás e a Petrobras afirmam
que, com a integração da rede das regiões Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e
Sul, não é mais possível determinar com certeza a origem da molécula. Vale
dizer que o gás produzido no Brasil poderia estar sendo usado para abastecer,
por exemplo, a Comgás, assim como GNL importado poderia chegar por algum porto
com estação de regaseificação e abastecer a GBD.
106. Com base nisso, a
Comgás alega que a Petrobras estaria vendendo o mesmo produto com preços
diferentes, o que caracterizaria ainda mais a discriminação. A Representada,
por sua vez, alega que o fato demonstra a especificidade de sua nova política
de preços, cujo modelo de negócios seria adaptado à situação presente, de
método de cálculo flexível com política postal e, portanto, passível de
aplicação de descontos, enquanto os contratos TCQ teriam um modelo de negócios
mais rígido, ainda vinculado aos riscos e preços da fornecedora boliviana.
107. Tendo em vista que a
determinação da origem do gás tem caráter eminentemente técnico, esta SG
consultou a ANP por meio do Ofício 4725/2014/SG/CADE (fls. 789-90). Em
resposta, a agência afirmou que não é possível haver bifluxo no
gasoduto Bolívia-Brasil (“Gasbol”), onde o gás corre
somente na direção Bolívia-Brasil. O traçado do Gasbol em território
nacional pode ser visualizado na figura a seguir:
Figura
2 – Traçado do Gasbol no Brasil
Fonte:
Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A. (“TBG”),
disponível em: http://www.tbg.
com.br/pt_br/publicacoes/materiais-de-comunicacoes/integridade.htm, Acesso:
12/11/ 2014.
108. Conjugando o mapa das
áreas de concessão de São Paulo na figura 1 e a figura 2, observa-se que o
Gasbol é o único gasoduto que abastece a área de concessão da GBD e que essa
área é a primeira do estado de São Paulo a receber o gás boliviano. Na área de
concessão da Comgás, o Gasbol é bifurcado na cidade de Paulínea, de onde
prossegue para abastecer, de um lado, a área da SPS e a região Sul e, de outro,
o restante da rede, conforme se observa na figura 3 a seguir.
Figura 3 – Rede de gasodutos
de transporte em operação (2011)
Fonte: http://gasnet.com.br/gasodutos/operacao.asp,
acesso em 12 nov. 2014.
109. Considerando o
traçado dos gasodutos e o fato de que o gás só corre no sentido Bolívia-Brasil
dentro do Gasbol, a ANP conclui que:
Em alguns casos, é
possível determinar, a origem do gás fornecido pela Petrobras a uma determinada
distribuidora. Isso porque a área de concessão da Gás Brasiliano [GBD] somente
pode ser abastecida pelo Gasbol. Assim, essa distribuidora recebe apenas gás de
origem boliviana.
Em relação às demais
distribuidoras que operam no Estado de São Paulo (Comgás e Gás Natural São
Paulo Sul [SPS]), não é possível determinar a origem do gás. Isto porque parte
da área de concessão da Comgás e a totalidade da área concedida à Gás Natural
São Paulo Sul estão situadas após a interconexão em Paulínea (SP). Dessa forma,
podem receber gás de qualquer das quatro fontes citadas na resposta do item a
[(i) Bolívia; (ii) Bacia de Campos; (iii) Bacia de Santos; e (iv) GNL importado,
que chega pelo mar e, após regaseificado, é enviado para São Paulo por meio de
gasoduto no fluxo oriundo da Bacia de Campos]. (fl. 851.)
110. A partir dessas
informações, ao contrário do que foi alegado pela Representante e pela
Representada acerca da origem do gás, extrai-se que a Petrobras fornece apenas
gás de origem boliviana à GBD, pois é atualmente o único meio viável de efetuar
esse abastecimento na forma canalizada. Assim, o desconto no contrato
NPP da GBD é aplicado sobre gás boliviano. Isso denota que a Petrobras tem
capacidade de oferecer descontos ao gás mesmo quando ela o adquire pelos preços
da fornecedora boliviana. No entender desta SG, tal constatação, aliada ao fato
de que não há vinculação contratual do desconto, atesta contra a justificativa
da Representada de que o modelo de negócios do TCQ inviabiliza a concessão de
desconto por ser contrato de repasse de custos.
111. Em razão disso, a SG
entende que o elemento técnico de possibilidade geográfica de abastecimento
constitui mais um indício de prática discriminatória anticompetitiva por parte
da Petrobras, na medida em que torna implausível a justificativa de diferenças
contratuais e de modelo de negócios oferecida pela Representada e destitui a
conduta investigada de fundamento econômico legítimo.
112. Ao se defender das
alegações da Comgás, a Petrobras aponta, ainda, que ofereceu diversas vezes à
Comgás a migração do volume de gás contratado sob o TCQ para os contratos NPP.
Com isso, a Representada entende que buscou ao máximo ser isonômica na sua
relação com a Representante. Faz-se necessário, então, analisar em que medida
isso poderia ser uma justificativa legítima para a concessão de descontos
apenas nos contratos NPP.
113. Nos autos do presente
processo constam três ocasiões em que houve tratativas oficiais para negociar a
migração dos contratos.
114. A primeira delas foi
feita em 2007, quanto a NPP teve início. A Petrobras afirma que a NPP seria a
única modalidade contratual ofertada para as distribuidoras daquele momento em
diante e que sua intenção era estimular ao máximo a migração do volume já
contratado (TCQ e gás nacional) para a NPP. A segunda oferta foi realizada em
2011, antes do início da política de descontos. Já a terceira foi feita em
2012, após o início da política de descontos.
115. Na época da primeira
oferta, não havia motivos para a Comgás aceitar a migração, pois a NPP seria
iniciada com preços substancialmente mais caros que o seu contrato TCQ ainda em
vigência, conforme é possível observar do gráfico 5. Em 2011 essa realidade não
se alterou, visto que a oferta foi feita em janeiro daquele ano (fls. 707-709
do apartado de acesso restrito ao Cade e à Comgás), antes do início dos
descontos (v. gráficos 1 e 5). Segundo a Comgás, à época das negociações a
Petrobras não alertou da futura política de descontos que entraria em vigor
alguns meses depois. Observe-se que a Representada não ofereceu contestação à
alegação da Comgás.
116. Na oferta feita em
2012, quando finalmente os preços NPP estavam mais baixos que os preços TCQ
exclusivamente em virtude dos descontos, a Petrobras impôs uma condição de
encontro de contas para que a Comgás migrasse seus volumes. Tal condição
consistia no pagamento de quantia aproximadamente equivalente a (ACESSO
RESTRITO CADE, COMGÁS E PETROBRAS), referente à diferença dos preços TCQ
mais baixos experimentados pela Comgás desde o início da política NPP até o
início da política de descontos (área hachurada do gráfico 5, ponderada pelo
volume contratado pela Comgás no período). Segundo a Petrobras, essa medida
teria como objetivo o tratamento isonômico entre as distribuidoras, pois, sem
ela, a Comgás estaria sendo favorecida em relação às demais concessionárias,
que tiveram o ônus de pagar pelo NPP enquanto esse esteve mais caro.
Gráfico
5
Fonte:
Representante, fl. 729, área hachurada adicionada.
117. Ora, a condição de
encontro de contas imposta pela Representada constitui indício de tratamento
não isonômico entre as distribuidoras no acesso aos preços mais favorecidos dos
descontos da NPP, reforçando o caráter discriminatório da prática.
118. Não existe previsão
contratual para o encontro de contas. A decisão de não migrar seu volume TCQ
para a NPP foi um risco tomado pela Comgás que, conhecendo as condições
contratuais de ambos os contratos, decidiu manter os direitos e obrigações
contraídos quando da assinatura do TCQ. Com isso, a Comgás colheu os benefícios
do seu risco por meio de um mix mais favorável a partir da
NPP. Frise-se que o contrato TCQ apresenta mais riscos que o NPP, em virtude de
sua indexação em cesta de combustíveis, maior escala e maior percentual de take-or-pay e ship-or-pay,[40] o
que deveria fazer com que seu preço fosse naturalmente inferior.
119. Ressalte-se, ainda,
que, antes da NPP, a Comgás arcou com o custo de ter um contrato mais caro
durante aproximadamente sete anos (de 2000 a 2006, vide gráfico 5, no qual a
linha azul corresponde ao TCQ e a linha vermelha ao contrato nacional). Depois
de iniciada a NPP, a Comgás não exigiu novas condições da Petrobras, mas apenas
que a vigência do contrato TCQ fosse mantida. O surgimento dos descontos, no
entanto, foi um fator estranho ao contrato NPP, que não poderia ter sido
previsto pela Comgás. Portanto, a condição de encontro de contas não guarda
nenhuma relação com o histórico negocial entre a Comgás e a Petrobras, nem com
as informações e obrigações disponíveis à Representante nos contratos NPP e
TCQ, nem com o risco tomado pela Comgás quando da assinatura do TCQ (ora
favorecendo-a nos preços, ora prejudicando-a). A condição da Petrobras apenas
impõe uma barreira para que a Comgás possa usufruir dos descontos através da
migração de seu volume para o contrato NPP, constituindo custo de troca criado
de maneira artificial e extracontratual.
120. Em complemento a
isso, cumpre ponderar que as justificativas apresentadas pela Representada em
sede de inquérito administrativo não lograram demonstrar a legitimidade da
aplicação de descontos exclusivamente nos contratos NPP, sem extensão aos TCQ
(ver tópico 2.6.2.1 anterior). Assim, considerando que a Comgás já possuía
contrato TCQ com vigência até 2019, não está demonstrada a necessidade de ela
se submeter à migração de volume para ter acesso aos descontos.
121. Tal conclusão fica
mais evidente a partir da compreensão do papel dos contratos no negócio de uma
distribuidora de gás. Devido aos riscos e à inconstância da demanda de gás, bem
como ao elevado custo relativo do investimento em capital (dutos), tanto no setor
de transporte quanto no de distribuição, os contratos costumam ser de médio ou
longo prazo, com cláusulas de take-or-pay e ship-or-pay.
Assim, outras condições contratuais além do preço também são relevantes para a
atuação de uma distribuidora. Dentre as principais condições, podem-se citar:
i.
O prazo de vigência dos contratos: se todos os
contratos de uma distribuidora vencem na mesma época, não só o risco aumenta,
como também o poder de barganha diminui perante as fornecedoras;
ii.
A origem do gás (ou a empresa fornecedora): se o
fornecimento de gás de uma origem é interrompido, é importante ter outras
fontes capazes de substituir temporariamente o fornecimento primário;
iii.
As fórmulas de cálculo do preço: variações na
fórmula podem causar alterações substanciais de preço, seja em virtude dos
elementos principais da fórmula (parcelas de molécula e transporte, ou fixa e
variável), seja em virtude dos indexadores utilizados;
iv.
Os percentuais
de take-or-pay e ship-or-pay.
122. Todos esses itens
estão relacionados, em maior ou menor medida, ao risco da atividade da
distribuidora, o que pode motivá-la a possuir mais de um contrato de
fornecimento para diluir ou gerir melhor seu risco. Assim, faz parte da
eficiência da distribuidora a sua capacidade de entabular negociações
contratuais com o intuito de obter a melhor combinação entre um preço mais
baixo para o seu mix e uma exposição não excessiva ao risco.
123. No mercado
brasileiro, a Petrobras é a única fornecedora de gás. Visto que a maioria das
distribuidoras é verticalmente integrada, o equilíbrio entre as opções
contratuais não tem tanto peso quanto em países com menor verticalização nesse
setor e com mais players no mercado a montante. Entretanto, para as
distribuidoras não integradas tais como a Representante, é melhor possuir
contratos variados caso exista, em algum momento, essa oportunidade.
124. No caso dos contratos
NPP, a condição de contratação (iii) acima, relativa às fórmulas de
precificação, mostra-se especialmente relevante para a decisão de contratação
por parte da distribuidora. Conforme mencionado, a NPP alterou a fórmula de
cálculo. Antes dela, a fórmula dos contratos seguia padrões internacionais e
era determinada da seguinte forma:
125. Com a NPP, a fórmula
passou a ser:
126. Para a Comgás, a nova
fórmula é menos transparente, pois não revela explicitamente a remuneração de
cada fator da estrutura de custos. Somada a isso, a falta de vinculação
contratual da política de descontos da Petrobras torna a manutenção desse
desconto incerta e arriscada, podendo ser encerrada ou atenuada a cada três
meses. Assim, considerando a importância dessas condições contratuais para a
atividade de gerenciamento de risco de uma distribuidora, é plausível supor que
a migração contratual para o NPP com desconto poderia até mesmo não ser
vantajosa ainda que não houvesse nenhuma barreira de encontro de contas, a
depender da magnitude da discriminação de preços.
127. A partir dos indícios
relatados acima, apurados em inquérito, esta SG entende que a exigência de
migração contratual feita pela Petrobras não é razoável e que essa prática
reforça a suposta conduta discriminatória objeto dos autos do presente
inquérito administrativo ao estabelecer artificialmente um custo de troca.
128. Como indícios
adicionais nesse sentido, tem-se, em primeiro lugar, que a alegação de que o
método de cálculo da NPP é pouco transparente foi confirmada pela Associação
Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores
Livres (ABRACE) nos autos do AC GBD (fls. 780 e ss. daquele feito), pela ANP
nos autos do presente feito (nota de fls. 302 e ss., apartado restrito ao Cade
e à Comgás) e por estudo de 2011 da Federação de Indústrias do Estado do Rio de
Janeiro (FIRJAN).[42]
129. Em segundo lugar, a
imprevisibilidade dos descontos foi recentemente alegada pela Abegás em
manifestação destinada ao Cade, à Petrobras e ao MME (fls. 783-788) e também
pela Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, no Ofício nº 150
encaminhado ao Ministro de Minas e Energia (fls 711-712). Os documentos da
Abegás e da Câmara foram motivados por decisão recente da Petrobras de diminuir
o percentual de descontos, o que estaria prejudicando a indústria que consome
gás natural canalizado. Tal incidente adiciona plausibilidade ao argumento da
Representante sobre incerteza dos descontos do contrato NPP e de necessidade de
uma distribuidora não integrada tentar variar seus contratos de fornecimento.
130. Por fim, não se
descarta a possibilidade de as distribuidoras verticalmente integradas à
Petrobras terem uma leitura melhor de mercado quanto à manutenção dos
descontos, o que colocaria a Comgás e as outras distribuidoras não integradas
em posição desfavorecida, enfrentando maior assimetria de informação.
131. Pelos motivos
aludidos acima, esta SG entende que a Petrobras não disponibilizou de maneira
isonômica a possibilidade de migração contratual depois da concessão de
descontos, impondo à Comgás uma barreira ao acesso aos descontos da NPP. Além
disso, entende que não é razoável impor a migração contratual como condição de
acesso a descontos extracontratuais de prazo incerto voltados à competitividade
do gás natural, ainda que a migração contratual tivesse sido ofertada de
maneira isonômica.
132. Adicionalmente aos
indícios reportados até aqui, o DEE/CADE e a ARSESP produziram no âmbito de
outros processos análises cujas conclusões reforçam as da presente nota.
133. Ao constatar a
diferença de preços entre TCQ e NPP oriunda dos descontos nesse último
contrato, a ARSESP instaurou procedimento próprio para apurar se as atuais
exigências de tratamento isonômico ditadas pela regulação paulista estariam
sendo infringidas. [43] (ACESSO
RESTRITO AO CADE E À PETROBRAS)
134. Já o DEE/CADE
analisou a discriminação por meio dos descontos em sua última manifestação no
âmbito do acompanhamento de decisão do já mencionado AC GBD (AC nº
08012.006171/2010-03, Nota Técnica nº 26/2014/DEE/CADE, autos confidenciais
daquele feito). Naquela operação, de aquisição da GBD por parte da Petrobras, o
Cade impôs a restrição de monitoramento dos contratos de fornecimento de gás da
Petrobras às distribuidoras. A nota técnica elaborada pelo DEE/CADE volta-se a analisar
“empiricamente se as preocupações concorrenciais evidenciadas no voto do
conselheiro relator [de restrições verticais por parte da Petrobras em
favor da GBD] consumaram-se ou se os remédios adotados foram
suficientes para afastar os potenciais danos à livre concorrência.” (p.1)
Passa-se a resumir as conclusões daquela análise.
(ACESSO RESTRITO AO
CADE E À PETROBRAS)
149. Do exposto,
conclui-se que as análises das peças do DEE/CADE e da ARSESP acima expostas
constituem indício complementar à presente análise, corroborando o quanto
apurado em sede de inquérito administrativo no que tange à forte possibilidade
de existência da conduta denunciada, probabilidade de dano concorrencial dela
decorrente e a suposta falta de justificativa econômica legítima para a
prática.
150. Diante do exposto, em
virtude da existência de indícios robustos de infração à ordem econômica, sugere-se
a instauração de Processo Administrativo para Imposição de Sanções
Administrativas por Infrações à Ordem Econômica, nos termos dos arts. 13, V, e
67 da Lei nº 12.529/2011, c/c os arts. 135 e seguintes do Regimento Interno do
Cade, em face da Representada Petróleo Brasileiro S.A., a fim de investigar as
condutas passíveis de enquadramento no artigo 36, incisos I e IV combinados com
o seu §3º, incisos IV e X da Lei nº 12.529/2011, correspondentes ao art. 20,
incisos I e IV, combinados com o art. 21, incisos V e XII, da Lei nº
8.884/1994.
151. Sugere-se, ainda, a
notificação da Representada, nos termos do artigo 70 do referido diploma legal,
para que apresente defesa no prazo de 30 (trinta) dias. Neste mesmo prazo, a
Representada deverá especificar e justificar as provas que pretende ser
produzidas, que serão analisadas pela autoridade nos termos do artigo 155 do
Regimento Interno do Cade. Caso a Representada tenha interesse na produção de
prova testemunhal, deverá declinar na peça de defesa a qualificação completa de
até 3 (três) testemunhas, a serem ouvidas na sede do Cade, conforme previsto no
artigo 70 da Lei nº 12.529/2011 c/c artigo 155, §2º do Regimento Interno do
Cade.
152. Sugere-se, por fim,
que a ANP seja notificada da decisão de instauração de Processo Administrativo
para Imposição de Sanções Administrativas por Infrações à Ordem Econômica,
acompanhada de cópia integral da presente Nota Técnica, nos termos da cláusula
3.1.2 do Acordo de Cooperação Técnica nº 6/2013 entre o Cade e a ANP.
Estas as conclusões.
Encaminhe-se ao Superintendente-Geral.
[1] Isto é, o
consumidor final não tem acesso ao gás diretamente por meio de um gasoduto de
transporte, mas sim por meio de um duto de distribuição de menor pressão e
maior capilaridade.
[3] Disponível no sítio
eletrônico do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro: (ACESSO RESTRITO CADE E PETROBRAS).
[4] Conforme
classificação do voto do relator no AC nº 08012.006171/2010-03 (AC GBD), com
base no Parecer da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da
Fazenda – SEAE/MF naqueles autos (fls. 496 e ss., autos públicos daquele AC).
Para uma visualização completa da cadeia de gás natural no Brasil, v. Nota
Técnica Conjunta ANP nº 002/2011-CDC-SCM (fls. 226 e ss., autos públicos do
presente processo).
[5] Sobre as
possibilidades de substituição do gás natural, v. p. ex. parecer da Secretaria
de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda – SEAE-MF no AC de
formação do Consórcio Gemini (AC nº 08012.001015/2004-08, Requerentes:
Petrobras, White Martins Gases Industrias Ltda. e Gaspetro) e instrução
realizada no âmbito dos Atos de Concentração nº 08700.006668/2014-99
(Requerentes: Companhia Energética de Minas Gerais e Gás Natural Internacional,
SDG, S.A.) e nº 08012.001015/2004-08 (Requerentes: Petróleo Brasileiro S.A.,
Petrobras Gás S.A. e White Martins Gases Industriais Ltda.).
[6] Tais
observações decorrem da tecnologia de distribuição aqui analisada, que consiste
na forma canalizada. O mercado de distribuição a granel — como, por exemplo,
GNC e GNL — não necessariamente apresenta tais características e frequentemente
está sujeito a regulação societária/concorrencial menos intensa. Para uma
análise concorrencial mais profunda da interação entre GNC, GNL e gás natural
canalizado, v. Nota Técnica nº 16/2015/CGAA1/SGA1/SG/CADE, nos autos do
Processo Administrativo nº 08012.011881/2007-41 (Representante: Comgás.
Representada: Petrobras, White Martins Gases Industriais Ltda. e GNL Gemini
Comercialização e Logística de Gás Ltda.).
[8] ANP. (2013). Estágio
atual da Regulamentação da Lei do Gás. Apresentação de slides. Disponível
em: <http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&ved=0CCYQFjAB&url=http%3A%2F%2Fwww.anp.gov.br%2F%3Fdw%3D68857&ei=Po9KVLD4HoXOggSarIC4Dw&usg=AFQjCNFhiE-5yd-7RSBfkK6UXLH3LPnt7w&sig2=KGpIDbCHFV1SAqGqUBa7sg&bvm=bv.77880786,d.eXY&cad=rja>.
Acesso em: 24/10/2014.
[9] V., p. ex.,
contratos de concessão entre o Estado de São Paulo e as distribuidoras de gás
natural canalizado que atuam em seu território, entre elas a Representante.
[10] Nesse sentido:
Atos de Concentração nº 08012.004550/1999-11, nº 08012.000035/2000-68 e nº
08012.005516/2001-11.
[11] Disponível em: http://www.cade.gov.br/Default.aspx?48e83ace57cc21f30c1de84113.
Acesso em 17/03/2015.
[12] Disponível em: http://200.198.193.169/SiCadeExternoPesquisaProcessosPublicos.html.
Acesso em 17/03/2015.
[13] A exemplo das
manifestações no âmbito do AC Cemig-GNF da Usiminas, setor de siderurgia e
mineração (PA e MG competem devido a recursos naturais e das facilidades para
escoar a produção); da Suzano, setor de papel e celulose (que depende da
disponibilidade de madeira, com unidades em estados de diferentes regiões como
SP, MA e BA); e da ASPACER, setor de cerâmica (proximidade das jazidas de
argilas, cujos principais produtores são SP, AM, MG, SC e RS).
[14] Cade. Guia
Prático do Cade: a defesa da concorrência no Brasil. 3ª edição
revista, ampliada e bilíngue. Disponível em: http://www.cade.gov.br/publicacoes/guia_cade_3d_100108.pdf.
Acesso em: 24/10/2014.
[17] Representante:
Steel Placas Indústria e Comércio Ltda., Representados: Comepla Indústria e
Comércio e outros, julgado em 23/05/12. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000669951414.pdf >.
Acesso em 17/03/2015.
[18] SOLON, Ari
Marcelo. Diferenciação de preços no direito concorrencial. Revista
Direito Mackenzie, nº 1, ano 1.
[19] Além dos
trechos da malha integrada, a Petrobras controla os gasodutos da malha não
integrada do Amazonas e tem participação no gasoduto que liga a Argentina ou
município gaúcho de Uruguaiana. O único trecho de transporte em território
nacional sem participação da empresa é a bifurcação do gasoduto Bolívia-Brasil
que vai até Cuiabá. Esse trecho não pertence ao sistema interligado e não está
relacionado ao abastecimento do estado de SP. Para melhor visualização dos
trechos de transporte no território nacional, v. Figura 3 na seção 2.6.2
adiante. Para um dimensionamento mais detalhado do papel da Petrobras no
mercado brasileiro de fornecimento de gás, v. nota da ANP de fls. 226-269, e
resposta da ARSESP ao Ofício nº 2233/2014/SG/CADE (fls. 567-571).
[20] Quanto ao óleo
combustível, além das alegações da Representante nesse sentido, v. constatações
da nota técnica da Secretaria de Direito Econômico na Averiguação Preliminar nº
08012.002015/2006-89. V., ainda, dados da ANP referentes a 2013, segundo os
quais a Petrobras detém participação nacional de 90% apenas no setor de
distribuição de óleo combustível. (ANP. Anuário Estatístico Brasileiro
do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2014. Disponível em: . Acesso
em: 2 mar. 2014.) Quanto ao mercado de GLP, a Liquigás integra o Sistema
Petrobras e é a segunda maior distribuidora do país, possuindo em 2010 cerca de
14% do mercado no estado de SP (v. parecer da Secretaria de Acompanhamento
Econômico do Ministério da Fazenda no Ato de Concentração nº
08012.011945/2011-91, Requerentes: Companhia Ultragaz S.A., Tucunare
Empreendimentos e Participações Ltda. e Repsol Gás Brasil S.A., julgado em 15
ago. 2012).
[21] Para maior
detalhamento das possibilidades de competição entre gás canalizado e gás a
granel, v. casos versando sobre o Consórcio Gemini, votos no AC nº
08012.001015/2004-08 e Nota Técnica nº 16/2015/CGAA4/SGA1/SG/CADE (SEI nº 0051499)
no PA nº 08700.011881/2007-41.
[23] Segundo a
ARSESP, esse foi justamente o objetivo da repartição do estado de São Paulo em
áreas de concessão diferentes. Observe-se que a agência é uma das mais fortes
de regulação do setor no Brasil e estimula essa concorrência de melhores
práticas entre as três distribuidoras por ela reguladas.
[25] No AC
Cemig-GNF, usado como base para a definição de mercado relevante geográfico ora
adotada, a SG utilizou dados de extensão de rede e de volume vendido para fins
de apuração de market share. Na presente análise, optou-se por
utilizar apenas o volume vendido. Isso se deve ao fato de que a extensão de
rede pode revelar informações distorcidas em virtude das grandes diferenças de
densidade demográfica e de consumo entre os territórios e também de pressão
entre os dutos contabilizados e de volume de gás que efetivamente flui em cada
rede.
[26] Todos os
valores de participação trabalhados no presente documento incluem as vendas das
distribuidoras para o setor termelétrico, ao contrário do que aconteceu no AC
Cemig-GNF. Isso porque, naquela ocasião, apenas o mercado de distribuição
estava sendo considerado. Tendo em vista que o gás destinado a usinas
termelétricas é contratado diretamente entre a usina e os agentes do mercadoup/midstream,
não fazendo parte da carteira da distribuidora de aquisição de gás natural para
suprimento ao mercado, a inclusão desse volume não fazia sentido para a análise
daquele processo, pois as distribuidoras não têm nenhum controle sobre os
contratos das térmicas. Entretanto, no presente caso, analisam-se dois mercados
da cadeia, o de transporte e o de distribuição. Conforme já mencionado, a
Petrobras é monopolista no mercado de transporte e a única fornecedora de gás
canalizado no Brasil. Assim, é com ela que as térmicas negociam seus contratos,
o que implica que o volume de gás consumido pelo setor é diretamente controlado
pelo Grupo Petrobras enquanto agente transportador de gás. Não obstante, uma
distribuidora recebe sua margem de distribuição normalmente quanto ao volume
que abastece as térmicas na sua área de concessão, por meio de seus dutos de
distribuição (como será visto adiante, margem de distribuição é a parcela do
preço final do gás que reverte à distribuidora e que está sujeita à regulação
estadual). Trata-se, portanto, de volume controlado pela transportadora que
afeta a operação e a receita do mercado de distribuição, abrangendo os dois
mercados analisados no presente caso e a relação entre eles. Além disso, a
Petrobras possui presença significativa no mercado de termelétricas a gás, o
que pode, em tese, influenciar decisões concorrencialmente relevantes da
empresa nos setores de transporte e de distribuição. Por esses motivos, a
estimação de poder de mercado no presente caso inclui o volume vendido às
térmicas.
[27] A tabela inclui
os valores vendidos pelas concessionárias às distribuidoras de GNC. A decisão
de incluir tais dados decorre do fato de que as distribuidoras de GNC retiram
seu gás diretamente do duto de distribuição de propriedade da concessionária,
pagando a ela o valor referente à margem de distribuição e, frequentemente, ao
próprio gás. Existe pendência no Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito
dessa matéria (Reclamação nº 4210/SP), isto é, sobre se as distribuidoras de
gás a granel (GNL e GNC) devem retirar seu gás do duto de transporte (pagamento
à Petrobras) ou do duto de distribuição (pagamento à concessionária local). Até
o momento, não houve decisão final do STF, mas houve liminar atualmente em
vigor que confirma a retirada do gás no duto de distribuição, tal como é
praticado atualmente.
Os dados de GNL não
estão computados na presente estimação de poder de mercado porque a única
planta de liquefação do país opera com a retirada de gás de duto de transporte,
sem transferência financeira nem de produto entre a concessionária e a planta
(v. Processo Administrativo nº 08700.011881/2007-41).
[28] Cumpre
ressaltar que a aquisição da GBD pela Petrobras ocorreu em 20 de maio de 2010.
Para facilitar o cálculo de participações, o volume total vendido pelo Grupo
Petrobras no ano de 2010 inclui o volume da GBD. Ainda, a distribuidora CEG-Rio
é controlada pelo Grupo Gás Natural Fenosa. Entretanto, a Petrobras possui
participação de 37,41% na distribuidora, motivo pelo qual sua participação está
sendo contabilizada como integrante do Grupo Petrobras e não do Grupo Gás
Natural Fenosa. Assim, a participação do Grupo Gás Natural Fenosa se encontra
subestimada nas tabelas do presente documento. Entende-se que isso não
prejudica a análise em virtude de tal Grupo não estar envolvido na conduta
investigada, sendo desnecessário maior aprofundamento a respeito de seu eventual
poder de mercado. Por fim, Em decorrência da operação analisada no AC
Cemig-GNF, aprovado sem restrições por meio de despacho de 30 de setembro de
2014, publicado no D.O.U. de 1º de outubro 2014, a Gasmig não integra mais o
Grupo Petrobras, tendo sido incorporada ao Grupo Gás Natural Fenosa.
Entretanto, visto que aquela operação ocorreu em data recente, esta SG não teve
acesso a dados de mercado elaborados desde então, motivo pelo qual a Gasmig
permanece integrante do Grupo Petrobras na análise aqui empreendida. Entende-se
que isso tampouco deve prejudicar a análise, pois a conduta investigada teria
se iniciado anos antes da referida operação.
[29] As faixas são
classificadas seguindo a regulação, aplicando-se critérios de escala e
destinação (residencial, industrial, veicular etc.).
[30] VALOR
ECONÔMICO. Petrobras não mexe no preço do gás. 21 de fevereiro de
2014. Retirado de: . Acesso em: 28 jul. 2014. Destaca-se o último
parágrafo do trecho transcrito, que dá a entender que o dano à base de clientes
das distribuidoras paulistas estaria sendo perpetrado a custa de um subsídio
cruzado em favor da base de clientes de outras distribuidoras, quase todas com
participação da Petrobras.
[31] Na Nota Técnica
nº 26/2014/DEE/CADE, elaborada para o acompanhamento de decisão do Cade nos
autos do AC GBD e detalhada na seção 2.6.3 abaixo.
[33] Resposta ao
Ofício nº 2288/2014/SG/CADE (juntada às fls. 591-600). A mesma justificativa
foi oficialmente reportada à imprensa quando do lançamento da nova política de
descontos (fl. 19).
[35] Os motivos da
não concessão de descontos no TCQ foram objeto de dois ofícios por parte da SG,
de nº 2288/2014/SG/CADE e nº 3869/2014/SG/CADE. As respectivas respostas foram
juntadas, nos autos públicos, às fls. 591-600 e 755-757 e, nos autos restritos
ao Cade e à Petrobras, às fls. 2-11 e 274-276. Ressalta-se que não foram
juntados cálculos econômicos ou contábeis para demonstrar a impossibilidade de
conceder descontos em gás TCQ. A Representada alegou, ainda, que, por ser
empresa pública, qualquer prejuízo indevido por ela assumido seria alvo de
fiscalização e punição por parte de autoridades tais como o Congresso Nacional,
o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público. Ademais, afirma que o
contrato boliviano possui duas precificações diferentes a depender da
quantidade adquirida: um preço para a retirada de até 16 milhões de m³/dia e
outro preço mais caro para a retirada de até 30 milhões de m³/dia, sendo que a
Comgás pagaria o preço mais barato.
[36] No mesmo
sentido, v. manifestação da Abegás de fls. 783-788, em que, referindo-se aos
descontos, afirma: “A política de preços que vem sendo praticada pela Petrobras
com as Distribuidoras nos últimos três anos, nacionalmente unificada e
refletindo parâmetros da economia nacional, permitiu ao gás natural permanecer
competitivo frente aos demais substitutos energéticos e, por via de
consequência, conferiu à indústria brasileira, que o utiliza como insumo ou
matéria prima, a possibilidade de competir nos mercados interno e externo.”
(fl.785)
[37] Vale ressaltar
que, desde o fim de 2011, por determinação da Resolução nº 52/2011 da ANP, art.
10, inc. IV (disponível em: <http://nxt.anp.gov.br/NXT/gateway.dll/leg/resolucoes_anp/2011/setembro/ranp%2052%20-%202011.xml >),
os preços dos contratos NPP também devem ser estruturados segundo as parcelas
da molécula e de transporte. Assim, os contratos celebrados após essa data
contém dispositivo formal com o método de precificação “parcela da molécula” +
“parcela de transporte”. Entretanto, ao cumprir essa determinação, a Petrobras
inclui no contrato algumas cláusulas que permitem efetivar, ainda assim, a sua
política postal, cumprindo apenas formalmente a regulação da Resolução. Para
tanto, a Representada estabelece, por exemplo, preços semelhantes de transporte
para trechos muito diferentes, ou a alternatividade entre diferentes fórmulas
contratuais de preço, uma delas a da regulação, a depender de critérios
contratuais tais como a fórmula que resultar mais barata, sendo que, na
prática, a fórmula aplicada é sempre a da NPP.
[38] Contrato Firme
(NPP) entre Petrobras e GBD: fls. 371-426. Contrato Firme (NPP) entre Petrobras
e Comgás: fls. 278-294, apartado de acesso restrito ao Cade e à Comgás.
[39] O que também
foi afirmado por outras entidades nos autos, em especial a ARSESP, a Abegás e a
Representante (respectivamente, fls. 570, 783-788 e peça inicial de denúncia)
[40] Take-or-pay é
um tipo de cláusula contratual que penaliza a cliente por não consumir todo o
volume de um produto contratado de uma fornecedora. Por exemplo, considerando
um contrato com percentual de take-or-pay de 100%, se a
empresa cliente contrata um volume de fornecimento igual a x > y,
mas consome apenas y, será obrigada a pagar uma multa referente ao
volume não consumido z = x - y. A multa é, em geral, menor que o
valor que seria pago caso o volume z fosse consumido a título
desse consumo previsto. Ship-or-pay, por sua vez, é uma
cláusula semelhante, com a diferença que se refere à capacidade de
transporte contratada e não utilizada, em vez do volume contratado
e não consumido.
[41] A ANP emitiu
regulação em 2011 (Resolução ANP nº 52/2011) obrigando os fornecedores a
expressar as fórmulas contratuais em parcelas explicitamente referentes ao
produto e ao transporte. Entretanto, pelos motivos expostos na nota nº xx
supra, essa regulação não teve o efeito prático desejado, de modo que o método
de precificação dos contratos ainda mantém o método original da NPP. Lembre-se,
ainda, que o contrato NPP da Comgás é anterior a essa regulação.
[42] FIRJAN. Quanto
Custa o Gás Natural para a Indústria no Brasil? Estudos para o Desenvolvimento
do Estado do Rio de Janeiro, nº 9, dez. 2011.
[43] A documentação
do procedimento se encontra juntada às fls. 219-238 do apartado de acesso
restrito ao Cade e à Petrobras.
Fonte: http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?p_uubtTCtbKRcWvfFmgdFv--yiyVjAZG83D0YuWLXkK4jhn7QqlRXTIE9RZ6pYsKRiS7M3aQRKDLabbH688qLw,,
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