O ano de 2012 traz muitas expectativas para o mercado brasileiro de gás natural. No ano da tão aguardada renovação de contratos entre a maioria das distribuidoras do energético e a Petrobras, os consumidores apostam na redução da tarifa de transporte, mas temem que a falta de uma política de preços para a molécula e de uma regulação mais eficiente, tanto em âmbito federal quanto estadual, não conduzam aos ganhos de competitividade tão desejados.
Diante das incertezas quanto ao preço que será oferecido pela Petrobras, o otimismo do mercado se resume, por enquanto, a uma possível revisão da parcela fixa. Isso porque a Portaria 52/2011 da ANP determinou que todos os novos contratos de comercialização celebrados sejam registrados na agência e especifiquem, separadamente, as parcelas do preço da molécula e de transporte, incluindo os critérios de reajuste.
“Agora temos um controle pela agência da tarifa de transporte real, identificada pelo serviço efetivamente prestado. Claro que a ANP vai precisar zelar para que os gasodutos mais novos tenham seus investimentos remunerados, mas isso tem de estar associado a tarifas realistas, consistentes com o serviço prestado”, comenta o coordenador de Energia Térmica da Abrace, Ricardo Pinto.
Transporte regulado
O órgão regulador está desenvolvendo uma metodologia para a tarifa de transportes que servirá de parâmetro para verificar eventuais abusos na precificação da Petrobras. A ANP pretende calcular uma tarifa média global de transporte no Brasil, considerando depreciação e amortização dos gasodutos existentes.
Inicialmente o cálculo não irá considerar o fator distância. A agência, porém, estuda a inclusão gradual, nos próximos anos, de um fator variável na metodologia de definição dessa tarifa.
Se o mercado está otimista com uma possível redução nos valores da parcela postal, a agência prefere a cautela. “A preocupação agora é definir a metodologia com base no custo de reposição e no valor contábil. Somente depois vamos analisar os inputs apresentados pela Petrobras. Cabe à ANP fazer o pente- fino”, explica o Superintendente de Comercialização e Movimentação de Petróleo, seus Derivados e Gás Natural, José Cesário Cecchi.
O mercado se queixa muito dos valores cobrados pela Petrobras, que criou a tarifa postal em 2008 como forma de remunerar a expansão da malha nos últimos anos. Naquele ano, segundo o estudo Quanto custa o gás natural para a indústria no Brasil, da Firjan, publicado em dezembro passado, as distribuidoras que compram gás nacional passaram a pagar US$ 2,97/MMBTU relativos à parcela fixa, um valor que, dependendo da concessionária, representou variação entre 274% e 743% em relação à parcela de transporte locacional cobrada anteriormente.
O atual sistema acabou criando distorções no preço do gás. Os estados produtores, que antigamente pagavam uma parcela de transporte pequena, passaram a pagar o mesmo valor que os não produtores.
Tarifa condizente
Ex-diretor da Arsesp e hoje diretor da consultoria Zenergás, Zevi Kann defende a adoção de uma tarifa de transporte locacional que reflita os custos efetivos de movimentação do gás até o consumidor. Em sua opinião, a locação correta dos custos evitaria subsídios cruzados.
“As termelétricas muitas vezes se aproveitam das redes de gasodutos com grandes volumes, mas será que estão pagando o valor adequado pelo transporte? A Petrobras, por exemplo, usa gás nas próprias refinarias e fafens. Se não houver abertura clara do custo de transporte, a parcela fixa permite benefícios cruzados”, explica Kann.
O fim da tarifa postal é também reivindicação frequente das distribuidoras da região Nordeste. Os estados produtores de gás como Alagoas, Bahia e Rio Grande do Norte foram dos mais prejudicados pela mudança na metodologia de cálculo da tarifa feita em 2008. As concessionárias nordestinas se queixam da perda de competitividade econômica em relação ao Centro-Sul na atração de investimentos industriais.
Hoje, a parcela fixa paga pelas concessionárias do Nordeste pelo gás nacional chega a ser o dobro do valor pago pelas distribuidoras do Sul e a MSGás pela movimentação do Gasbol.
Método atual está ultrapassado
Apesar da esperada revisão nos valores da tarifa postal, o consumidor não deve sentir grande diferença no bolso enquanto o preço da molécula não for revisto. De acordo com o estudo da Firjan, a parcela fixa responde hoje por cerca de 15% do preço final do gás, e a parcela variável, por 43,3%. “A área de gás deve ser rentável como qualquer outra área de negócios de uma empresa. A Petrobras está fazendo o papel dela. O que falta é o papel do Estado, uma política de longo prazo que regule o setor”, comenta o gerente da Área de Competitividade Industrial da Firjan, Cristiano Prado.
Há um consenso entre as indústrias de que os contratos entre distribuidoras e Petrobras celebrados em 2008 refletem um ambiente de escassez de oferta hoje inexistente. A criação de um novo sistema de formulação de preços da molécula, estabelecido em moeda local e não mais atrelado ao óleo, por exemplo, é mais compatível com as metodologias adotadas entre países produtores. A própria Petrobras tem reconhecido o excesso de indexações e vem aplicando descontos sistemáticos nos reajustes trimestrais, de forma a manter o preço estável.
Procurada pela Brasil Energia para comentar a possível revisão da metodologia, a Petrobras não respondeu até o fechamento desta edição.
Regulação controversa
Já a regulação do preço da molécula divide opiniões. Em 2001, o CNPE publicou a resolução nº 6, que previa o controle de preços do gás natural até que houvesse competição. Passados dez anos, a resolução nunca saiu do papel, e o MME já deixou claro que uma política de preços da molécula não faz parte de seus planos. “O preço da commodity é livremente negociado entre os agentes. Estamos mais preocupados com as políticas estruturantes”, afirma a diretora do Departamento de Gás Natural do ministério, Symone Araújo.
Entretanto, essa “liberação” abre brechas para a discriminação de preços. De acordo com a Firjan, o valor do gás vendido para a Algás chega a ser 37% mais barato que o pago pela Cegás. E durante o processo de aquisição da Gas Brasiliano pela Petrobras, a Arsesp alertou para os riscos que isso poderia trazer ao equilíbrio das concessões em São Paulo se a petroleira resolvesse vender gás mais barato para sua concessionária.
Zevi Kann, da Zenergás, concorda que, com um único fornecedor, faz sentido regular o preço da molécula. No entanto, ele alerta também para os riscos que isso pode representar. “Se fossem fixados valores muito baixos, isso desestimularia futuros produtores ou autoprodutores. Uma regulação mal estudada poderia desincentivar a produção.”
Margens de distribuição em xeque
O quadro mais crítico da regulação do mercado de gás natural ainda está nos estados. Embora respondam por cerca de 18,8% do preço final do energético, as distribuidoras têm margens distorcidas. Em alguns estados, faltam marcos regulatórios e agências reguladoras.
Um exemplo são Compagas, do Paraná, e Sulgás, do Rio Grande do Sul, estados onde, coincidentemente ou não, as concessionárias não são reguladas por agências estaduais. Embora paguem pelo transporte a metade da tarifa praticada para o gás nacional no resto do país e possuam metodologias de revisão tarifária semelhantes às da maioria das outras concessionárias, as duas têm margens superiores às das distribuidoras de São Paulo e Rio de Janeiro, cuja malha é cerca de 15 vezes maior que a das redes dos estados do Sul. Por outro lado, as empresas com menores margens do país, de acordo com o estudo da Firjan – BR-ES e Cegás – são as que pagam mais caro pelo gás no city gate.
De modo geral, as distribuidoras seguem uma mesma metodologia de cálculo de tarifas, baseada numa taxa de retorno fixa de 20%, exceto a BR-ES, cuja taxa é de 15%. “É uma taxa que não é compatível com o mercado e a natureza do negócio, de baixo risco. Em alguns estados essa taxa incide até sobre os custos operacionais. Isso é um incentivo à ineficiência. É dar retorno alto sobre o gasto”, critica Rodolfo Danilow, analista em Energia Térmica na Abrace.
Além disso, a taxa de depreciação é de 10% ao ano – ou seja, o ativo é depreciado em dez anos. A vida útil de dutos de distribuição de gás, porém, chega a superar 30 anos. Essa disparidade aumenta a margem bruta.
A exceção desse modelo fica por conta de CEG, CEG Rio e as companhias paulistas, que estabelecem a tarifa com base no custo médio ponderado, como no setor elétrico, e consideram os investimentos projetados na remuneração. Esse sistema estimula as concessionárias a investir os valores assumidos no plano de negócios para que as tarifas sejam mantidas.
Compagas e Sulgás contestam Firjan
Apontadas pelo estudo da Firjan como donas das maiores margens de distribuição do país, Compagas e Sulgás rebatem as informações. Segundo a empresa paranaense, sua média de margem é 42% menor que o valor apresentado, de US$ 3,39/MMBTU, considerando as políticas de desconto vigentes. Já a gaúcha alega que a margem para o volume proposto, de 50 mil m3/dia, está entre 22% e 70% abaixo dos valores do estudo. Dependendo da aplicação do gás na indústria, a margem varia entre US$ 1,15/MMBTU e US$ 4,07/MMBTU.
A Firjan argumenta que o valor médio das tarifas foi obtido diretamente do site das próprias companhias, com data de corte de agosto de 2011. A federação acredita que, no caso da Compagas, as distorções se devam às diferenças na data de corte, uma vez que o preço informado pela concessionária era válido para o 4º trimestre de 2011, quando o dólar subiu em relação à data de corte do estudo.
A Firjan sustenta ainda que falta transparência em relação à margem de distribuição nos estados. Em apenas seis dos 15 estados pesquisados – Alagoas, Espírito Santo, Ceará, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro – foi possível obter, de imediato, as informações das agências reguladoras.
Como no Paraná e no Rio Grande do Sul as agências reguladoras estaduais não atuam no setor de gás canalizado ou não informam os valores, a Firjan estimou a margem de distribuição a partir de informações obtidas em estudos de consultorias e de associações do setor.
FONTE: Revista Brasil Energia
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