A concorrência com o baixo custo do gás de xisto americano, que em três anos ficou cinco vezes mais barato que o gás natural no Brasil, está fazendo o País perder ou adiar bilhões de dólares em investimentos. Indústrias que têm até 35% de seus custos no gás, como cerâmicas, vidro, petroquímica e química, perderam competitividade, elevaram importações e migram investimentos para o exterior. Até setores tradicionais, como o de brinquedos, sentem os efeitos. “Uma fatia importante do setor está com forno desligado. Estamos perdendo competitividade. O risco é a produção nacional ser substituída pela importada”, diz o superintendente da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos (Anfacer), Antonio Carlos Kieling.
A reviravolta no mercado aconteceu depois de uma revolução energética nos EUA, com a disseminação, nos últimos cinco anos, da técnica de fraturamento terrestre em formações de xisto. Neste curto período, os EUA trocaram a posição de grande importador de gás pela de potencial exportador, cenário impensável em 2008. A superoferta fez o preço do gás americano cair de US$ 9,00, naquele ano, a US$ 1,82 por milhão de BTU (unidade térmica britânica) em abril de 2012.
Hoje, fica em torno de US$ 2,50 a US$ 3,00 por milhão/BTUs. No Brasil o produto está cerca de cinco vezes mais caro, entre US$ 12,00 e US$ 16,00. Na Europa, ronda os US$ 8,00 a US$ 10,00. “Todo mundo que compete no mercado internacional e que tem produção no Brasil está reclamando conosco”, diz uma fonte do governo. O efeito é mais intenso para indústrias que usam o gás como matéria-prima, caso de fertilizantes, ou para mover as máquinas.
Kieling diz que as importações do setor estouraram 9.000% em sete anos, para US$ 220 milhões ao ano, num movimento crescente, já que 25% dos custos de produção vêm do gás. A avaliação sobre perda de competitividade é a mesma em vários setores, mas atinge com maior peso a indústria química e petroquímica. Empresas como Braskem, Unigel e Dow Chemicals estão entre as que paralisaram decisões de investimento de bilhões de dólares.
A multinacional de vidros AGC decidiu, há pouco mais de três anos, investir numa fábrica de R$ 800 milhões. Será inaugurada em Guaratinguetá (SP) neste ano para produção de vidro plano, espelhos e vidro automotivo. “De lá para cá, o preço do gás dobrou, mudou totalmente o cenário e a rentabilidade”, disse o CEO da AGC Vidros do Brasil, Davide Cappellino.
A decisão de dobrar a capacidade, com mais R$ 800 milhões, foi suspensa por tempo indeterminado. Unidades da multinacional nos Estados Unidos, Emirados Árabes, Arábia Saudita e Egito, onde o preço do gás é cerca de cinco vezes mais barato, ganharam preferência na destinação de recursos. “Com certeza, o preço do gás tornou a decisão de investir no Brasil muito mais difícil”.
A também multinacional Cebrace planejou até R$ 1 bilhão para transformar o Brasil em plataforma de exportação de vidros para a América Latina. A empresa estancou novas decisões de investimentos no Brasil e voltou os olhos para países como Argentina e Colômbia. O mesmo aconteceu com a Guardian, que revê investimentos. Hoje, o setor importa 35% do vidro plano, contra 10% de 2007.
“Não há novos investimentos de peso, e o futuro depende das decisões de agora. Quero ver como o setor vai estar lá para 2018”, diz o superintendente da associação setorial Abividro, Lucien Belmonte, que estima uma perda de até US$ 3 bilhões na década pela redução de competitividade.
Indústria química é a maior prejudicada pelo alto custo do combustível nacional
O maior volume de investimentos paralisados no Brasil por conta do custo do gás está nos setores de química e petroquímica. Em 2010, a Abiquim, entidade representante da indústria química, estimou, em estudo, que a demanda anual por produtos químicos cresceria de US$ 145 bilhões, naquele ano, para US$ 260 bilhões, em 2020. Isso justificaria US$ 167 bilhões em investimentos, caso a demanda fosse atendida por produção nacional.Três anos depois, já é possível dizer que a previsão não está se concretizando. Os investimentos na indústria química atualmente estão entre US$ 4 bilhões e US$ 5 bilhões ao ano, muito aquém dos US$ 16 bilhões a US$ 17 bilhões anuais projetados para atender a demanda no estudo de 2010. “Caso a indústria nacional não consiga atender à demanda, o que deve ocorrer é a explosão da importação”, disse a diretora de Economia e Estatística da Abiquim, Fátima Giovanna Coviello Ferreira.
Segundo Fátima, “infelizmente”, a perspectiva de preços baixos em gás nos Estados Unidos começa a atrapalhar investimentos, num processo que já vinha ocorrendo por causa da falta de competitividade do Brasil. No ano passado, o setor químico registrou déficit comercial de US$ 28 bilhões, de acordo com dados da Abiquim. Em 2005, foi de US$ 7,9 bilhões.
A Braskem adiou para 2014 a decisão de entrar ou não no complexo petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) em associação com a Petrobras, um investimento não divulgado, mas que, certamente, exigirá alguns bilhões de dólares. A presidente da Petrobras, Graça Foster, já afirmou que está preocupada com os efeitos da competição com o gás americano no setor petroquímico.
Enquanto isso, a Braskem anunciou, em dezembro do ano passado, um investimento de US$ 3,2 bilhões em uma fábrica de etileno no México a ser inaugurada em 2015. O projeto receberá empréstimos de US$ 623 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes) e tem a expectativa de criar 9 mil empregos locais. A página da companhia na internet anuncia o empreendimento como o mais moderno das Américas.
Fontes da área petroquímica da Petrobras não acreditam que a Braskem entre no Comperj sem ajuda do governo, inclusive para baixar o preço do gás. Atualmente, a rentabilidade do negócio, medida pelo método do valor presente líquido (VPL), está negativa. Portanto, do jeito que está, a Braskem dificilmente participará do Comperj.
fonte: http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=123822
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