A relação entre as indústrias de petróleo e gás natural foi discutida, principalmente quanto a formação de seus preços. A apresentação de Fereidun Fesaraki abordou o tema, recorrendo a seguinte ilustração: “se o petróleo é um namoro, o gás natural é um casamento”. Apesar da introdução de flexibilidade a partir da difusão do GNL e da maior importância de mercados spot, a infraestrutrura de gás exige maior comprometimento entre os envolvidos. Assim, os contratos de longo prazo ainda tendem a ser dominantes. Usualmente, contratos de GNL têm duração de quatro a dezessete anos. São os contratos longos que permitem o financiamento dos projetos, já que bancos só aceitam participar quando os contratos de compra de longo prazo são apresentados.
Os debatedores apontaram que o diferencial de preços entre os mercados norte-americano, europeu e asiático deve diminuir, mas não desaparecer. Nos Estados Unidos, o preço do gás se descolou do preço do petróleo em função da produção não convencional (shale gas principalmente). Mesmo com preços baixos do gás no Henry Hub, a produção de shale gas segue atrativa, pois a extração de líquidos viabiliza o negócio. Nesse sentido, há uma força de divergência entre os preços dos combustíveis. O preço elevado do petróleo estimula a continuidade da exploração de shale gas, que amplia a oferta de gás nos EUA e ajuda a derrubar mais seu preço.
Os preços do gás natural na Ásia e Europa são próximos à paridade com o petróleo. As importações japonesas de GNL resultantes do desligamento das centrais nucleares e do maior uso de termelétricas a gás inflaram os preços na Ásia e tiveram efeito sobre a Europa, que também importa GNL. Como a oferta de GNL tende a se elevar nos próximos anos, o diferencial em relação aos Estados Unidos tende a diminuir, mas a opinião é que o diferencial não deve desaparecer.
Quanto à oferta de GNL, a Austrália deve representar um papel muito relevante. Nos últimos 18 meses, seis novos projetos de GNL tiveram início no país. Entre esses, está o projeto pioneiro da Shell de uma planta flutuante para produzir GNL em offshore. A meta da Austrália é se tornar o maior exportador de GNL do mundo, ultrapassando o Qatar em 2017. O país experimentou um boom de projetos recentemente. No entanto, esses experimentaram problemas de atraso e estouro de orçamento. Um caso marcante é o projeto de Gorgon da Chevron, que terá capacidade de produção de 15 milhões de toneladas de GNL por ano e que deve custar 50 bilhões de dólares (como referência foi citado o projeto da Cheniere de 9 milhões de toneladas de GNL de capacidade que custou US$ 6,5 Bilhões).
A Agência Internacional de Energia apresentou dois relatórios sobre gás natural na conferência. O primeiro, midterm Gas Report 2017, aponta para um crescimento da demanda de gás de 2,7% ao ano até 2017, com a China representando um quarto da expansão. A Europa diminuiria o consumo de Gás. Os Estados Unidos representariam 20% do crescimento da demanda global. A geração termelétrica a gás natural alcançaria a mesma participação do carvão no país. O estudo “Golden Rules for a Golden Age of Gas” define os princípios para mitigar os impactos ambientais e sociais da exploração de gás natural não convencional, que são mais significativos que a produção convencional. Nos Estados Unidos o número de poços não convencionais atingirá a marca de 1 milhão, o que causa impacto ambiental e de uso da terra. Segundo a agência, esses impactos podem ameaçar a chamada “Golden Age of Gas”. Assim, é necessário tratar os problemas relacionados à exploração de shale gas, Tigh gas e Coalbed methane com transparência, medindo e monitorando continuamente os impactos.
No cenário em que essas regras são respeitadas, a produção de gás cresceria 55% até 2035, com não convencionais representando 2/3 do aumento. Os Estados Unidos se tornariam o maior produtor de gás natural do mundo e passariam a exportar o combustível. O gás natural deslocaria o carvão da segunda posição de fonte primária mais utilizada no mundo. A geração de eletricidade representaria 40% do crescimento da demanda.
O cenário alternativo, com menor produção não convencional, prevê que os Estados Unidos continuarão como importador de gás. As importações chinesas também serão relevantes. O gás natural aumentará sua participação na matriz energética mundial em apenas 1%, que não permitirá alcançar o carvão. Os países se tornarão mais dependentes das exportações de gás da Rússia e do Oriente Médio. Em função da maior utilização de carvão as emissões de CO2 aumentam.
O futuro da energia nuclear no Japão após o acidente de Fukushima foi outro tema abordado na conferência. Logo após o acidente, todas as usinas nucleares do Japão saíram da operação. O primeiro ministro japonês permitiu a retomada de dois reatores. A decisão foi motivada pela segurança do abastecimento e as usinas estão localizadas nas regiões de abastecimento mais crítico (Kansai e Kyushu). A retomada da produção nuclear recebeu forte oposição da sociedade japonesa, apesar das restrições ao uso de eletricidade que ocorrem em função da retirada da produção nuclear.
O custo de combustíveis que substituem a geração nuclear alcançou US$ 30 bilhões em 2011. O programa de restrição ao uso de eletricidade tem a meta de reduzir em 15% a demanda de pico e atingiu 18%. No entanto, os consumidores residenciais reduziram apenas 6%, enquanto de grandes consumidoresdiminuíram o consumo de eletricidade em 29%.
A grande questão abordada por Yukari Yamashita do Instituto de Economia da Energia foi a possibilidade de cumprir objetivos ambientais e de segurança energética sem contar com energia nuclear. A meta 2030, referente ao plano básico de 2010, prevê a redução de emissões de CO2 de 25% e alcançar um índice de auto-suficiência de 40%. Essa meta foi mantida, mesmo após o acidente. O plano original previa a construção de 14 novas centrais nucleares. A energia nuclear alcançaria 30% da matriz de geração, equivalente à capacidade de 70 GW. O Instituto de Economia da Energia considera três opções para a participação nuclear na geração de eletricidade, 0%, 15% e 20 a 25%. Apesar de considerar que atualmente a sociedade japonesa é favorável a manter a totalidade das usinas nucleares desligadas, o Instituto apoia um cenário de participação de 25% das nucleares. Nesse cenário, as fontes renováveis teriam participação de 25%, termelétricas 35% e cogeração 15%. Assim, a meta de reduzir emissões seria alcançada com menores custos para a sociedade.
A mesa sobre setor elétrico abordou os casos do Reino Unido e da Austrália, que buscam tornar a matriz de geração mais limpa. Richard Green afirmou que há duas abordagens para a organização do mercado de eletricidade. A abordagem fora da Europa busca a estruturação de mercados mais sofisticados, com modificações mais significativas em relação aos modelos anteriores. A abordagem europeia é gradual e prioriza arranjos mais simplificados. O modelo é modificado a partir das necessidades.
No caso do Reino Unido, um novo arranjo institucional está sendo implementado a partir da constatação o regime atual não concede mecanismos para enfrentar o desafio atual de incrementar investimentos e estimular fontes renováveis. O plano de desligamento de centrais antigas a carvão e nucleares implica uma necessidade de investimentos da ordem de 110 bilhões de libras. Por outro lado, a meta da Comunidade Europeia de diminuir emissões em 80% em 2050 e ter uma participação de renováveis de 20% em 2020 implica em modificar a matriz de geração de eletricidade. Segundo David Newbery, o ETS (Emissions Trading System) não dá sinais suficientes para estimular investimentos renováveis e incrementar gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). O autor aponta que recuperar os gastos com P&D é fundamental para limpar a matriz de geração. A liberalização do setor de eletricidade implicou em redução significativa desses gastos em empresas do setor. Em função da crise econômica, o consumo de eletricidade se reduziu e o preço atual do carbono na Europa é cerca de um quarto do que seria apropriado segundo o autor (13 euros/tonelada).
O novo desenho para o mercado de eletricidade do Reino Unido instaura um piso para o preço do carbono de 13 euros/tonelada, que aumentaria progressivamente. Esse preço seria suficiente para estimular investimentos em centrais nucleares, mas ainda é insuficiente para viabilizar fontes renováveis. A contratação de longo prazo é também um ponto da reforma. O desafio é desenhar condições que sejam adequadas às diferentes características das fontes de geração mais limpas, como a energia nuclear que opera continuamente e eólica que é intermitente.
Na Austrália, o preço da eletricidade experimentou forte elevação, cerca de 70%, nos últimos cinco anos. O debate em curso no país é o impacto da precificação do carbono na geração de eletricidade. Em 1º de julho, iniciou a cobrança de taxa de carbono no país (a meta é que o preço do carbono seja definido por mecanismos de mercado no futuro). A tendência é de elevação de custos e de maior participação do gás natural na geração de eletricidade.
Esses foram os principais debates da conferência da IAEE em Perth. Certamente, são temas que terão forte impacto sobre a evolução dos mercados de energia nos próximos anos. As apresentações apontam que essas questões ainda não estão concluídas. Dependendo dos cenários apresentados, diferentes trajetórias da matriz energética e de preços são possíveis.
*Luciano Losekann é pesquisador do Grupo de Economia de Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GEE/UFRJ)
(Nota da Redação: artigo publicado no Infopetro – http://infopetro.wordpress.com -, blog do GEE/UFRJ)
Nenhum comentário:
Postar um comentário